Ivan, o Terrível- Parte I
Título Original: “Ivan Grozny” (1948) Realização: Sergei M. Eisenstein Argumento: Sergei M. Eisenstein Actores: Nikolai Cherkasov- Czar Ivan IV Lyudmila Tselikovskaya- Czarina Anastasia Romanovna Serafima Birman- Boyarina Efrosinia Staritskaya |
Depois do sucesso de Alexandre Nevsky, Sergei M. Eisenstein teve pleno apoio das autoridades soviéticas para um próximo filme. O projecto de Ivan, o Terrível começou a ganhar forma, ao mesmo tempo que o pacto germano-soviético se quebrava e a Alemanha nazi se engrandecia.
Com total liberdade, Eisenstein começou a urdir a teia narrativa de Ivan, o Terrível. Iria ser, almejava Eisenstein, uma trilogia sobre a vida do infame czar russo: um primeiro filme sobre a coroação e primeiras conquistas de Ivan, um segundo sobre a conjuração dos Boiardos e, finalmente, uma terceira parte sobre as lutas de Ivan.
A megalomania, o detalhe e a obstinação do cinema de Eisenstein pareciam repousar nesta obra.
Todavia, a quimera do realizador russo não se concretizou: aquando do lançamento de Ivan, o Terrível- Parte II, Eisenstein, já moribundo, foi alvo de duríssimas críticas, que acusavam a sua obra de falta de clareza histórica ou de ser uma visão facciosa, mitificadora, da figura de Ivan. Estaline, que sempre dera liberdade a Eisenstein, viu na Parte II um reflexo do seu próprio despotismo- recordar que na Parte II, Ivan inicia uma autêntica "caça às bruxas", com vista à erradicação do poder Boiardo. Face a isto, Estaline intrometeu-se na montagem do filme e cortou todas as cenas susceptíveis de ferirem a sua imagem. Aliás, Ivan, o Terrível- Parte II representou o fim de uma aliança de mais de duas décadas, entre os intentos soviéticos ( marxistas-leninistas) e os intentos artísticos do realizador "do regime"- a pareceria Eisenstein/Estaline havia tombado.
Diga-se que a recepção de Ivan, o Terrível- Parte I foi, contrariamente, bastante positiva, em todos os sectores da sociedade soviética- chegou mesmo a receber o "Grande Prémio Estaline".
Eisenstein morreu em 1948 , quando ainda estava longe de ter concluído Ivan, o Terrível- Parte III.
A Parte I inicia-se no momento em que Ivan é coroado, com apenas 17 anos, e termina quando, em razão do desejo prontamente anunciado do jovem czar em unificar a Rússia e combater a força Boiarda, Ivan se vê cercado pela oposição.
Neste filme, Eisenstein dá a ênfase à dimensão heróica de Ivan: um líder maldito que resolve combater as rédeas do sistema. Também é um libelo exaltador de um dos valores máximos do regime estalinista: a infalibilidade do líder. Ivan é a razão e, a certa altura, a sua grandeza chega mesmo a atingir a transcendência divina- a cena em que Ivan "ressuscita" para pôr cobro à maquinação dos Boiardos é paradigmática.
Eisenstein não faz por menos: arranca grandes planos de Ivan, mais concretamente, de Nikolai Cherkasov, actor que fora o protagonista em Alexandre Nevsky; assinala um tom teatral na interpretação dos actores, para não destoar com a austeridade "barroca" dos cenários; desenvolve um jogo de sombras que frequentemente eleva a altura de Ivan perante os seus soberanos... vários são os artifícios usados pelo realizador russo para "mitificar" a figura de Ivan, recusando sempre a possibilidade uma reconstituição histórica fiel ou minimamente realista- se dúvidas houvesse, Eisenstein em Ivan, o Terrível confirma-se como o grande precursor do cinema épico.
Mas, e isso é que merece todo o nosso espanto, Eisenstein, apesar de estar umbilicalmente ligado a um regime e a uma ideologia, nunca se resignou a um trabalho tarefeiro, sem arrojo. Muito pelo contrário, Eisenstein, desde A Greve, sempre empreendeu no cinema experimental: revolucionou o Cinema, transformou-o em arte e esculpiu, com a câmara, os filmes mais faustosos e magalómanos da história. A ele pertence o titulo de "pai da montagem", mas, ouso acrescentar, Eisenstein é também o "pai da imagem". Ainda hoje as suas obras, nomeadamente Ivan, o Terrível , nos espantam pela precisão de cada imagem. À sumptuosidade da imagem junta-se a grandiosidade épica da pista sonora de Prokofiev, que tem dois trabalhos absolutamente magistrais, tanto em Alexandre Nevsky- diz-se que foi aqui que Eisenstein inventou o "videoclip"-, como em Ivan, o Terrível.
Hoje reencontramos esta técnica de utilização da música na saga Star Wars- em vez do exército germânico temos o temível Darth Vader, em vez do corajoso regimento russo temos Luke Skywalker e os seus comparsas... Da mesma forma, o carácter épico de Eisenstein parece pulsar, ainda hoje, na multi-premiada trilogia de Peter Jackson, Lord of The Rings, ou, especificamente Ivan, o Terrível, parece influir decisivamente na "mise en scène" do último Manoel de Oliveira, O Quinto Império- Ontem como Hoje. Ontem como hoje, o cinema de Eisenstein mantém-se vivo, atravessando géneros e marcando as mais diversas cinematografias.
De facto, Eisenstein era um inconformado. Prova disso é Ivan, o Terrível- Parte II. Em vez de se enconstar confortavelmente ao estilo triunfante de Ivan, o Terrível- Parte I, Eisenstein pintou um novo quadro: desconcertantemente "pop"!
® Luís Mendonça
1 Comments:
Juntamente com "A greve" e o "Couraçado" é dos grandes marcos do cinema.
O grande génio da montagem, estudioso e prático, criou tecnicas que até hoje são utilizadas .
Cumps por este bom momento
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