segunda-feira, junho 11, 2007

My Fair Lady

Título Original:
"My Fair Lady" (1964)

Realização:
George Cukor

Argumento:
George Bernard Shaw & Alan Jay Lerner

Actores:
Audrey Hepburn - Eliza Doolittle
Rex Harrison - Professor Henry Higgins
Stanley Holloway - Alfred P. Doolittle
Wilfrid Hyde-White - Coronel Hugh Pickering


O filme mais famoso do cineasta George Cukor é um clássico intemporal. O retrato de uma época em que os musicais em Hollywood atraíam a atenção e o empenho dos melhores profissionais do ramo. Não é excessivo declarar que é uma obra grandiosa. Emana de “My Fair Lady” uma realidade quase sonhada. É certo que todos os musicais manifestam algo de irreal mas nem todos os clássicos do género contam boas histórias. “My Fair Lady” parte de um trabalho literário inspirado para se converter numa obra que conjuga habilmente arte com inteligência.

Os belos cenários de “My Fair Lady” transportam-nos para um universo onírico mas não artificial. Há charme e elegância nas senhoras que passeiam diante das câmaras e no discurso dos homens distintamente bem falantes. E depois há a ralé: a gente pobre que fala de forma gramaticalmente errada e com sotaque ordinário; gente sem higiene, rude e humilde.

A história decorre em Londres no início do século XX. O argumento do filme representa a transposição para o Cinema do sucesso da Broadway com o mesmo nome, “My Fair Lady” que nos anos 50 havia sido um êxito colossal.

“My Fair Lady” é a versão musical do clássico de Bernard Shaw, “Pigmalião”. A peça de Teatro de Shaw, incrivelmente inspirada, irónica e bem-humorada, conta uma história que é popular para muitas audiências. Um professor de Fonética faz uma aposta com um amigo mediante a presença de uma inculta e rude florista de rua: conseguirá fazê-la passar por uma duquesa num importante baile da alta sociedade londrina. Para operar a transformação necessária, só precisa de alguns meses.

O argumento e as canções concebidos por Alan Jay Lerner e Frederic Loewe respeitam a história de “Pigmalião”, alterando somente o espírito da conclusão da narrativa. Em “My Fair Lady”, o Professor acaba (segundo palavras suas) por «se habituar» à presença de Eliza, o que significa que de algum modo se apaixonou por ela. É um final mais poético e romântico do que aquele que Bernard Shaw traçara.

Para gáudio das audiências que preferem um final mais risonho, Eliza deixa o Professor mas depois volta para ele. No entanto, o final não é incoerentemente róseo e feliz. O Professor será sempre um homem misógino, egocêntrico, vaidoso e chauvinista. Quando detecta o regresso de Eliza, ele não corre para ela mas meramente declara com aparente indiferença: «Eliza, onde estão os meus chinelos?»

“My Fair Lady” é um fleumático retrato social que revela o contraste de comportamentos numa mesma sociedade. Tanto encontramos uma refinada ironia na imagem construída dos aristocratas como na das miseráveis pessoas que vivem na rua ou em casas pobres. O tom irónico atravessa toda a obra e seus diferentes contextos.

Este musical tem um apurado encanto visual expresso no rigor com que são concebidos minuciosamente todos os cenários e todo o guarda-roupa. Depois, é um filme em que a força das palavras (ditas e cantadas) tem um poder enorme. Claro que na tradução do inglês para outras línguas se perdem algumas nuances, algumas subtilezas no discurso irónico.

O conteúdo humano é construído a partir de um elenco com actores sólidos num registo britânico muito típico. Rex Harrison que interpretou o mesmo papel na Broadway, anos antes, é o actor perfeito para encarnar o professor preconceituoso que detesta as mulheres e tudo o que não estiver conforme aos seus gostos. Harrison não canta. Diz as palavras ao ritmo da música – o que retira das suas interpretações todo o lirismo ou sentido romântico (que o Professor de todo não tem).

Audrey Hepburn interpreta Eliza Doolittle, a curiosa florista, com elegância e muita graciosidade. Hepburn era uma actriz de uma rara fotogenia e as câmaras pareciam apaixonar-se por ela. No entanto, a sua selecção para o papel foi controversa. Julie Andrews havia sido a estrela cintilante de “My Fair Lady” na Broadway e era esperado que fosse escolhida à semelhança do seu par, Rex Harrison. Andrews desempenhou o papel durante três anos nos palcos americanos e ingleses. Entre 1956 e 1959. Era uma cantora exímia e uma boa comediante.

Audrey Hepburn vestiu o papel de Eliza Doolittle sempre sob a sombra de Julie Andrews. Quem havia visto “My Fair Lady” nos palcos, não concebia outra Eliza para o filme. Além disso, Hepburn não cantava pelo que a sua voz teve de ser dobrada nas canções por uma profissional. Havia algo de inacertado em todo aquele panorama.

Os produtores de “My Fair Lady” tinham as suas razões. Julie Andrews não havia feito um único filme até ao ano de 1964; e havia determinação em procurar uma actriz aclamada e famosa que garantisse o sucesso financeiro do filme. O resultado acabou sendo injusto mas compreensível.

Audrey Hepburn abraçou o papel com empenho e a sua interpretação é irrepreensível. Num certo momento, ela confere um enorme e sentido dramatismo ao seu desempenho, fazendo evidenciar toda a sensibilidade de Eliza mediante toda a insensibilidade do Professor. De resto, há personagens secundários muito inspirados e o maior deles é o pai de Eliza que preza uma vida de prazeres e bebida; e que, sendo analfabeto e inculto, fala com a eloquência demagógica de um político.

George Cukor, o realizador, não é particularmente lembrado por este trabalho mas por muitos outros que levou a cabo em abono das actrizes que dirigiu. Consideraram-no o cineasta das Mulheres porque parecia compreender e recriar o universo feminino como ninguém. São dele “Casamento Escandaloso”, “Assim Nasce Uma Estrela”, “A Costela de Adão”, “Mulherzinhas” e “Ricas e Famosas”. Na verdade, “My Fair Lady” não é uma criação de George Cukor. Ele é simplesmente o maestro que dirige a orquestra no desempenho de uma sinfonia já composta. Mas se George Cukor é frequentemente ignorado em “My Fair Lady”, também é certo que conduziu o seu trabalho com absoluto profissionalismo e eficiência. Nada mais se podia pedir do realizador de “My Fair Lady” a menos que se quisesse alterar o espírito da obra e convertê-la em qualquer coisa de diferente.

A banda sonora de “My Fair Lady”, com as vozes de Rex Harrison e de Julie Andrews, foi o segundo LP mais vendido nos EUA durante a década de 50 – só sendo superado por um disco de Elvis Presley. Evidentemente, o álbum do filme (com a voz de Marni Nixon substituindo Audrey Hepburn) e uma orquestração em tudo semelhante à original, nada acrescentou ao material que já existia. Mas as músicas que ouvimos no filme são intemporais e ainda hoje nos são familiares. O Cinema leva a todo o mundo as obras que na Broadway quase só existem para os nova-iorquinos.

Convido sempre os apreciadores de musicais a verem este filme. Mas quase sempre eles já o conhecem porque este é um marco incontornável do género. Numa época como a nossa em que o Cinema Musical parece ter sido revigorado por obras como “Dancer in the Dark”, “Moulin Rouge”, “Chicago” e “Fantasma da Ópera”, é um prazer rever os clássicos.

® José Varregoso