sexta-feira, março 03, 2006

La Dolce Vita

Título Original:
"La Dolce Vita" (1960)

Realização:
Federico Fellini

Argumento:
Federico Fellini, Ennio Flaiano, Pier Paolo Pasolini, Tullio Pinelli & Brunello Rondi

Actores:
Marcello - Marcello Mastroianni
Fanny - Megali Noel
Sylvia - Anita Ekberg


Falar, debater, analisar filmes (juntamente com todos os outros nomes que aqui se apliquem) é um exercício que possui tanto de agradável como de espinhoso. Quando se debate um simples filme cujo grande intuito seja, por exemplo, divertir ou horrorizar a questão é relativamente simples. Sem nunca cair no erro de se ser demasiado normativo na abordagem que se faz à obra em questão, é possível limitar a área que se cobre ao género. Um filme de acção pontua-se e debate-se dentro dessa categoria, um filme de terror o mesmo, etc, etc. Mas quando a obra extravasa as categorias pré-definidas a questão torna-se muito complexa. Pois é exactamente assim que me sinto perante a obra que esta semana proponho, La Dolce Vita de um dos mais brilhantes realizadores e argumentistas de todos os tempos, Frederico Fellini.

Marcello é um jornalista de escândalos que suspira a se tornar um escritor a “sério”. Vivendo uma vida boémia frequenta a alta roda da sociedade italiana da década de 60, desde os meios aristocráticos até aos cinematográficos. As suas aventuras e desventuras servirão de veículo a uma profunda reflexão sobre a sua vida e a realidade que ele, no fundo, tenta esconder de si mesmo.

Considerada por muitos como uma das grandes obras cinematográficas de todos os tempos, La Dolce Vita, apresenta-se, antes de mais, como uma metáfora à vida, mais precisamente à vida na sociedade moderna como a conhecemos até ao presente. A personagem de Marcello, brilhantemente interpretada por Marcello Mastroianni, é o típico indivíduo recluso de uma sociedade que fornece constantemente novos e diferentes aliciantes que servem, acima de tudo, para esquecer ou remediar a triste existência que se leva neste mundo. Alienado (ou esforçando-se por se alienar) dos dramas humanos que vive, Marcello é o representante de uma larga falange da sociedade que foge de si mesma tentando viver tudo com todos sem pensar em muito mais. Da mesma forma que a religião é (era?) o ópio do povo e tenta-se nesta encontrar a justificação para os erros da nossa existência, a sociedade laica dos tempos que correm (e corriam), à falta da religião, escuda-se noutras formas de alimentar o ego humano e fazê-lo esquecer, a tempos, que ele é apenas... humano, independentemente do isso seja! Em La Dolce Vita, Fellini faz uso da fotografia e da concepção cenográfica das cenas para criar um ambiente de sonho, belo, como oposição à triste e deprimente realidade que as personagens vão vivendo. Tal dualidade é usada de forma exígua para fazer passar a intensa mensagem de toda a obra contribuindo, e muito, para abrilhantar ainda mais uma história, já de si, magnífica.

A realização é, como é apanágio em Fellini, brilhante. O desempenho dos actores é extraordinário assim como todos os restantes pormenores técnicos do filme, desde a cenografria, passando pela fotografia e acabando no guarda-roupa. Tudo se mistura de uma forma perfeita em que o resultado final é, de facto, superior que as partes. Resta referir, a título de curiosidade, que este filme possui várias cenas inesquecíveis tal é o seu uso até aos dias de hoje como fonte de inspiração não só a outros filmes como igualmente a nível de publicidade por exemplo. Um outro facto interessante é que o termo paparazzi deriva deste filme, mais especificamente da personagem Paparazzo (Walter Santesso), um fotógrafo ao serviço de Marcello que se dedica a tirar fotografias aos jet-set da altura.

Concluindo, La Dolce Vita é um dos mais belos e extraordinários filmes alguma vez feitos. Com uma actualidade surpreendente e abordando uma temática que a todos diz respeito, esta obra é aconselhável a toda e qualquer pessoa que goste, nem que só um pouco, de cinema. Uma obra-prima cujas 9 estrelas que recebem representam, na realidade, 9 ½...

Bons filmes e até para a semana...

® Bruno Sá