quarta-feira, setembro 06, 2006

Maria Madalena

Título Original:
"Mary" (2005)

Realização:
Abel Ferrara

Argumento:
Abel Ferrara & Mario Isabella

Actores:
Juliette Binoche - Marie Palesi/Maria Madalena
Forest Whitaker - Ted Younger
Matthew Modine - Tony Childress/Jesus
Heather Graham - Elizabeth


Conhecido sobretudo por obras cruas e ásperas como Polícia sem Lei ou O Funeral, o norte-americano Abel Ferrara exibe em Maria Madalena uma vertente mais polida, debruçando-se sobre a religião e a fé.

Partindo de uma actriz que, ao interpretar o papel de Maria Madalena, se sente inspirada por esta e descobre a sua espiritualidade, mudando radicalmente de vida (Juliette Binoche), a acção segue ainda o percurso do realizador desse filme (Matthew Modine), assim como o do apresentador de um talk-show dedicado à temática religiosa cuja esposa está grávida (Forest Whitaker).

Ferrara apresenta aqui uma obra formalmente incomum, dado que tanto se aproxima de tons documentais (Jean-Yves Lelous, Amos Luzzatto e Elaine Pagels, estudiosos no Evangelho de Maria Madalena, debatem as ideias e pertinência deste no programa televisivo) como aposta no modelo de filme-dentro-do-filme, pois contém cenas da película em que duas das personagens centrais de Maria Madalena participaram.

No entanto, se esta curiosa combinação de registos poderia enriquecer o projecto, tal acaba por ser subaproveitado, uma vez que o filme raramente contém sequências caracterizadas pela subtileza e não poupa o espectador a uma perspectiva claramente tendenciosa e fácil, apontando uma via de sentido único em vez de potenciar a reflexão.

Embora o nome do realizador fizesse esperar algo mais, Maria Madalena é um mero panfleto espiritual que se torna cada vez mais óbvio à medida que se aproxima do desenlace.
As cenas do debate entre o jornalista e o realizador chegam a ser penosas de tão maniqueístas, e a melodramática (tearjerker, quase) sequência da personagem de Whitaker na Igreja é ainda mais gritante.

De resto, o filme falha logo nas personagens, figuras estereotipadas que Ferrara trata como marionetas. A de Juliette Binoche é especialmente desinteressante, pois a actriz recém-convertida, de look inexpressivo, anémico e new age, dificilmente convence ou desperta entusiasmo.
O realizador composto por Matthew Modine é igualmente unidimensional, já que Ferrara o caracteriza como um céptico ridículo e megalómano, pouco mais do que um saco de pancada por representar o oposto da perspectiva que Maria Madalena pretende veicular.
Forest Whitaker fica com o melhor desempenho e com a personagem mais complexa, sendo um dos poucos trunfos do filme, mas mesmo assim o seu papel acaba por funcionar como mais um utensílio da lógica moralista da película.

Para além da escassa substância, Maria Madalena é ainda prejudicado por um ritmo que faz com que o filme pareça ter o dobro da duração, onde poucos são os momentos que fogem à monotonia. Há fugazes cenas onde Ferrara capta com intensidade as intrigantes ambiências nocturnas, mas essa energia visual está ausente em grande parte do filme, no geral um amontoado de sequências amorfas e bafientas.
É este objecto inconsequente um filme do mesmo autor do soberbo O Funeral?? Heresia!

® Gonçalo Sá