terça-feira, março 28, 2006

Sideways

Título Original:
"Sidaways" (2004)

Realização:
Alexander Payne

Argumento:
Alexander Payne, Jim Taylor & Rex Pickett

Actores:
Paul Giamatti - Miles
Thomas Haden Church - Jack
Virginia Madsen - Maya
Sandra Oh - Stephanie


A quarta longa-metragem de Alexander Payne, conhecido por As Confissões de Schmidt, mistura provas de vinho com problemas existenciais, fundindo de novo o drama e a comédia com bom-gosto.

Um dos grandes trunfos cinematográficos de 2004/2005 é este Sideways, fortemente aplaudido, para surpresa de muitos, inclusive nos EUA, e candidato aos últimos Óscares em diversas categorias (entre as quais, a Melhor Filme e Melhor Actor, para Paul Giamatti). A surpresa vem, tão somente, de este apresentar uma abordagem existencialista tradicionalmente europeia, muito embora o cinema americano nos tenha vindo a surpreender ao longo dos últimos anos com exemplares como este.
Alexander Payne, americano ele também, já havia dirigido Jack Nicholson na tragi-comédia As Confissões de Schmidt (2002), e traz-nos no seguimento desta outra obra de carácter semelhante. Sideways é, na verdade, uma fusão entre comédia e drama ligeiros, ambos sem grandes extremos aparentes mas onde, tal como no seu antecessor, os personagens fazem toda a diferença e comandam a história, passando-nos as suas incertezas, os seus dramas interiores e crises existenciais.

Quarentões, Miles e Jack (Thomas Haden Church) são amigos há muitos anos mas divergem em quase tudo nas suas posturas de vida: o primeiro, brilhantemente interpretado por Paul Giamatti (Cinderella Man, American Splendor), é um escritor frustrado que, além de apaixonado pela ex-mulher, já casada com outro, se refugia no álcool e não consegue ver publicado nenhum dos seus livros, assumindo-se claramente como o derrotista da história; já o segundo, a cargo de Thomas Haden Church (celebrizado em séries de televisão como Ned e Stacey) é um bon-vivant, um D.Juan reformado e imaturo prestes a casar com uma mulher muito mais nova, que deve o seu sucesso entre as mulheres à sua atitude optimista e ao seu passado de actor de televisão.

A história é precisamente a da despedida de solteiro de Jack, que pretende aproveitar os últimos dias de poligamia em grande estilo e, uma semana antes da boda, inicia uma viagem com o seu amigo Miles em plena rota vinícola da Califórnia. O problema é que, além de várias provas de vinhos e muitos percalços, os dois conhecem duas amigas, Maya (Virginia Madsen) e Stephanie (Sandra Oh), que acabarão por partilhar com eles experiências enólogas e não só, despoletando questionamentos de diversa natureza.

São estes quatro personagens os principais responsáveis pelo sucesso que Sideways obteve entre a crítica, mesmo sendo à partida um filme simples sobre vidas humanas em ponto de viragem, onde a profundidade dramática é subtil e o humor se junta sempre aos momentos mais trágicos de cada um deles, nem que seja tragando uns copos de vinho – já que essa é a sua paixão em comum. Assim se gera uma película de consumo agradável, quase sempre adocicada porque, por exemplo, às personalidades cinzenta (Miles) e melancólica (Maya) contrapomos a leveza e o apetite sexual animalesco de Stephanie e Jack, o que resulta numa curiosa mas bem-sucedida simbiose de desempenhos, onde os acontecimentos se desenvolvem quase sempre a um ritmo cativante.

Alexander Payne consolida assim o seu talento enquanto realizador tragicómico, evitando que os seus filmes se tornem cansativos por saber mascarar o drama subjacente a algumas tragédias pessoais com sorrisos e com aspectos realistas da existência de comuns mortais. Mais uma vez aqui, ele rejeita uma ficção demasiado romanceada e atribui valor à simplicidade das pequenas coisas: piqueniques no campo, uma roadtrip, o ridículo da imaturidade inesperada aos quarenta anos (que Thomas Haden Church personifica muito bem como um autêntico mulherengo adolescente), o amor à arte e ao vinho. Um argumento coeso, criado a partir de uma premissa original como é a enologia, fortalecido por excelentes interpretações e por uma realização presente mas não dominadora, que permite aos actores fluir no filme como nós, espectadores, acabamos por fazer.

® Andreia Monteiro