terça-feira, janeiro 22, 2008

Nada a Esconder

Título Original:
"Caché" (2005)

Realização:
Michael Haneke

Argumento:
Michael Haneke

Actores:
Daniel Auteuil - Georges Laurent
Juliette Binoche - Anne Laurent
Maurice Bénichou - Majid


Filme amado ou desprezado. Há muitos assim. Esta criação peculiar e insólita recebeu inúmeros prémios internacionais de Cinema e o carinho e respeito de muitos cinéfilos e intelectuais. Mas a satisfação com os resultados do filme não é generalizada. Quase inegavelmente interessante e apelativo, o filme também consegue suscitar um elevado grau de controvérsia.

Dois brilhantes trunfos pontuam a qualidade do filme: a condução do suspense aliado a uma inquietação latente; e a brilhante direcção dos actores. Mas a história desenvolvida pelo próprio realizador peca por não conduzir a resultados muito entusiasmantes. Sim. A narrativa está plena de uma sólida inquietação e de uma angústia perante qualquer coisa que não se compreende. Mas todo o enigma precisa de uma resolução convincente.

Esta história de uma simplicidade extrema desenvolve uma trama misteriosa durante duas horas. Há toques de um certo tipo de minimalismo no modo discreto, sóbrio e simplista com que Haneke filma. O filme não tem música. O grau de realismo das cenas é intenso. Os actores respondem aos desafios de cada cena de modo irrepreensível. A câmara está sempre muitíssimo bem localizada. Os diálogos são coerentes e genuínos. Sendo um thriller psicológico, impregnado de emoções fortes e contraditórias, a força das palavras (ou a ausência delas) é relevante.

As implicações de uma história com estes contornos podem sugerir uma inclinação para um preconceito racial – dado que o mal situado na sociedade francesa vem de fora, de pessoas argelinas. Mas esse pormenor não deve ser entendido assim. A ideia do conflito racial parece-me irrelevante. Majid é exótico, estranho, diferente. Mas o facto de ser de outra raça e de outra cultura só reforça a perspectiva alienante e alienada que temos dele.

Parece pontualmente evidente que o argumento se debruça sobre aspectos de um grau inferior de relevância mas tudo é justificável para amplificar a extensão do cenário e intrigar mais o espectador.

Daniel Auteuil e Juliette Binoche desempenham o casal ameaçado pela inquietação e pela perda crescente do sentimento de segurança. O mal-estar de que são vítimas reflecte-se na família (no filho desorientado e aparentemente à deriva), no círculo de amigos e nas vidas profissionais. A veterana Annie Girardot compõe um pequeno mas brilhante papel à altura das suas capacidades interpretativas.

De resto, o filme é uma incursão no universo das memórias perdidas, da culpa, dos fantasmas que o tempo que passa torna maiores e mais assustadores. A ideia do galo com o pescoço cortado e a imagem do menino a expelir sangue da boca são fantasmas revisitados pelo protagonista. Durante o sono, em pesadelos. Durante a vigília, numa consciência que ele abafa e cujos detalhes factuais não partilha nem com a mulher.

Georges, o protagonista, esconde uma verdade que quase o torna suspeito. Se ele não é inocente, nada podemos tomar por certo, as desconfianças podem incidir mais sobre aquele que é vítima de ameaças do que sobre quem instaura o plano hostil. Haverá aqui um toque de Polanski – num suspense psicológico e não tanto de acção. Mas também de hitchcockiano.

Pena é que o resultado final não deixe o espectador ao rubro. Ao trabalho de Michael Haneke falta a centelha de génio para a composição de um final mais intrigante. "Nada a Esconder" tem uma brilhante construção de personagens encarnados por grandes actores. E as linhas mestras do seu argumento são notáveis assim como é brilhante a recriação cinematográfica das cenas. Mas tudo isso não faz do filme uma obra imprescindível. Tudo termina de modo apático. E é pena ver tanto trabalho de qualidade perder-se num relativo vazio de ideias.

Haneke dirigiu, em 2001, "A Pianista" com Isabelle Huppert – um filme sólido mas que pessoalmente considero menos interessante. Com "Caché", recebeu uma aclamação reforçada, o prémio de Melhor Realizador no Festival de Cannes e muitas outras distinções.

"Caché" é uma boa aposta para um serão de cinema. Prende a atenção do espectador do princípio ao fim. E no final, a memória clara de Georges é mostrada. Então vemos, pelos olhos dele, a expulsão do pequeno Majid. Filmada de modo cru e desadornado. E o filme acaba. Com uma imagem da vida quotidiana das pessoas. Essa vida em que frequentemente os fantasmas de infância revisitam constantemente o presente dos adultos.

O protagonista está cansado. Deita-se tentando esquecer as suas memórias amargas. Mas a recordação do pequeno Majid revisita-o. E agora a recordação do Majid adulto também. Uma e outra, manchadas com sangue. "Caché" é o retrato de pessoas que vivem presas ao passado, cativas desse passado tornado presente. É um bom filme. Mas é nítido que podia ainda ser melhor.

® José Varregoso

1 Comments:

At 6:13 da tarde, Blogger Cataclismo Cerebral said...

Eu sou um grande fã do Michael Haneke e acho Caché um filme muito bom. Aprecio sobretudo o facto do filme estar contaminado por um clima de enorme tensão e pelo caos que aquele acontecimento gera naquela família. Mais interessante do que saber quem é o responsável por aquela intrusão, é verificar as mentiras e as dúvidas que se semeam naquele lar. É um filme muito clínico e austero que polariza opiniões e, não sendo perfeito, é uma proposta a não perder. Pede é imensa disponibilidade ao espectador...

Abraço

 

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