quarta-feira, agosto 10, 2005

A Esquiva


Título Original:
"L'Esquive" (2004)

Realização:
Abdel Kechiche

Argumento:
Abdel Kechiche

Actores:
Osman Elkharraz – Krimo
Sara Forestier - Lydia
Sabrina Ouazani - Frida
Nanou Benhamou - Nanou
Aurelie Ganito - Magali

Filme-sensação dos Césares de 2004, os mais importantes galardões cinematográficos franceses, A Esquiva (L’ Esquive) é um pequeno filme de baixo orçamento realizado pelo tunisino Abdellatif Kechiche e apresenta um olhar sobre um conjunto de jovens de um bairro social parisiense. Vencedora da cerimónia nas categorias de Melhor Filme, Melhor Realização e Melhor Esperança Feminina (para a muito promissora actriz Sara Forestier), a película combina drama e comédia para focar um quotidiano suburbano vincado pelo choque de culturas e tensões da adolescência.

A Esquiva insere-se na linha dos filmes sobre minorias étnicas – neste caso, a comunidade abordada é a islâmica – que tem dominado algum do cinema de domínios mais marginais nos últimos anos, mas aqui o retrato prefere adoptar tons mais leves e optimistas e não se debruça tanto num realismo cru e desencantado que domina alguns dos exemplos do género. Não é que os traços de realismo não estejam presentes, pelo contrário, dado que Kechiche recorre frequentemente a um tipo de realização próxima do registo documental, mas o ponto de vista do cineasta não aposta em atmosferas de considerável fricção ou visceralidade, frequentemente presentes em dramas urbanos, seguindo antes por domínios mais cândidos e esperançosos.

O ponto de partida é uma peça teatral baseada em O Jogo do Amor e do Acaso, de Marivaux, trabalhada por um grupo de estudantes de liceu da periferia e cuja temática – desde o conflito e classes às vicissitudes amorosas – irá estabelecer relações próximas com as conturbadas peripécias dos jovens. A peculiar ligação de dois dos actores da peça – Krimo (Osman Elkharraz) e Lydia (Sara Forestier) – está na origem de uma série de episódios, geralmente divertidos e por vezes surpreendentes, que interligarão uma rede de personagens num intrincado jogo de equívocos e contradições.
Com este ponto de partida, Kechiche proporciona um filme que conquista pela eficaz e credível captação de ambientes e esferas urbanas, que servem de cenário a um curioso e sensível retrato da adolescência onde as referências culturais entram em colisão e tendem a reformular-se. Nesse sentido, A Esquiva percorre domínios não muito distantes de Joga Como Beckham (Bend it Like Beckham), de Gurinder Chadha, com o qual partilha um irresistível bom-humor quase omnipresente que molda as experiências de uma comunidade de imigrantes (a comédia britânica focava, no entanto, a cultura indiana).

O elenco, constituído por adolescentes de bairros sociais, é globalmente sólido e convincente, e as personagens geram doses suficientes de empatia para que o seu rumo cative e envolva. Contudo, é inevitável não verificar aqui uma abordagem demasiado simplista e reluzente de temáticas complexas e delicadas das comunidades islâmicas, mas essa escassez de complexidade é compensada pela vibrante genuinidade e honestidade do projecto, que apesar de contar com um orçamento reduzido consegue desenrolar-se com assinalável carisma e energia.

Há alguns passos em falso, como a pouco conseguida cena com os polícias (um promissor, mas mal aproveitado momento de tensão) ou mesmo o desapontante desenlace, mas ainda assim A Esquiva destaca-se acima da mediania e proporciona duas horas razoavelmente divertidas e que, a espaços, contêm questões pertinentes e actuais. Nada mal para um pequeno filme simpático…

® Gonçalo Sá