quarta-feira, janeiro 02, 2008

A Outra Margem

Título Original:
"A Outra Margem" (2007)

Realização:
Luís Filipe Rocha

Argumento:
Luís Filipe Rocha

Actores:
Filipe Duarte - Ricardo
Maria D'Aires - Maria
Tomás Almeida - Vasco


"A Outra Margem", o novo filme de Luís Filipe Rocha, gera desde logo alguma curiosidade por contar com uma dupla protagonista pouco habitual: um tio e um sobrinho onde o primeiro é um travesti e o segundo um adolescente com Síndrome de Down. O resultado, contudo, é menos atípico ou mesmo irreverente do que esta junção poderia sugerir, originando um drama sóbrio e contido que se debruça nas contrariedades das relações humanas, tanto familiares como amorosas, e sobretudo na forma como a diferença as influencia.

Ricardo, que faz espectáculos musicais como travesti num bar lisboeta, entra em desespero após o abrupto suicídio do namorado, mas depois de uma visita da sua irmã, que não via há anos, decide regressar com ela à sua terra natal, uma localidade no interior, local onde deixou um pai desiludido e uma noiva frustrada. É aí que conhece outro familiar, o seu sobrinho Tomás, um jovem com trissomia 21 que aos poucos o vai contagiando com a sua espontaneidade e optimismo, e as conversas que partilham acabam por os encorajar a encetar novas fases nas suas vidas.

Luís Filipe Rocha apresenta aqui um filme corajoso, honesto e sensível, características que compensam alguns dos seus problemas. Um dos maiores é o facto dos primeiros 15/20 minutos não serem especialmente envolventes, presos a cenas com planos demasiado longos e contemplativos que impõem um arranque desnecessariamente moroso.

Felizmente, o desenvolvimento da narrativa torna-se mais interessante à medida que as personagens se vão dando a conhecer, e mesmo com um ritmo irregular este drama acaba por ir conquistando através de um argumento consistente e um assinalável rigor formal.

Tal como em outras obras do cineasta, "A Outra Margem" demonstra apuro tanto na realização como na direcção de actores, tendo esta última sido distinguida no Festival de Montreal, onde Filipe Duarte e Tomás Almeida foram ambos galardoados com o prémio de melhor actor. Percebe-se porquê, já que a dupla oferece aqui interpretações sentidas, e Duarte é especialmente notável, compondo uma personagem que facilmente poderia cair na caricatura mas que aqui surge num retrato tridimensional - das expressões faciais à linguagem corporal, o actor sofre uma impressionante metamorfose face ao que já demonstrou em qualquer outro papel que encarnou.

Maria D'Aires e Sara Graça convencem na pele das duas personagens femininas e a fotografia de Edgar Moura potencia alguns belíssimos planos - as paisagens de Amarante, onde grande parte da acção foi filmada, também ajudam -, complementando os seguros enquadramentos de Rocha. Igualmente curiosa é a banda-sonora criada pelos Corvos, ainda que a sua quase omnipresença possa ser cansativa a espaços.

Pena que os interessantes conflitos entre as personagens não sejam tão explorados como se desejaria, impondo um desenlace que deixa várias pontas soltas. Situações como a do reencontro do protagonista com o pai - claramente simbólica, a explicar o título do filme - perdem força por não terem seguimento, não aproveitando ao máximo as possibilidades da premissa.

Aliadas aos problemas iniciais da narrativa, fazem de "A Outra Margem" uma obra desequilibrada, embora não a impeçam de se destacar como um dos bons títulos do final de 2007 e, principalmente, como um dos escassos filmes portugueses dos últimos tempos que vale a pena descobrir.

® Gonçalo Sá

2 Comments:

At 10:34 da tarde, Anonymous Anónimo said...

E desta vez nem se deu conta do metro a passar em baixo:) ou estávamos concentrados ao máximo no fantástico personagem de Filipe Duarte?

 
At 8:51 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Não dei conta de nada, não. E sim, o Filipe portou-se bem :)

 

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