O Último Capítulo
Título Original: "The Fountain" (2006) Realização: Ryan Fleck Argumento: Ryan Fleck & Anna Boden Actores: Hugh Jackman - Tomas/Tommy/Dr. Tom Creo Rachel Weisz - Rainha Isabel/Izzi Creo Ellen Burstyn - Dr. Lillian Guzetti Mark Margolis - Avila |
Com apenas dois filmes, Darren Aronofsky tornou-se, para muitos, num dos novos realizadores norte-americanos mais entusiasmantes dos últimos anos, com uma linguagem própria e experimental mas quase sempre mais hipnótica do que hermética.
Na sua promissora primeira obra, Pi (1998), deu provas de talento, ainda que com alguns desequilíbrios, mas foi o trabalho seguinte, A Vida não é um Sonho (2000), que o colocou decididamente como um nome a seguir com atenção, ou não fosse esse um dos melhores e mais alucinantes filmes desta década.
Percebe-se, por isso, que fosse muita a expectativa em redor de O Último Capítulo, terceiro opus do rapaz-prodígio que, se por um lado confirma a sua singularidade, também se arrisca a ser o que lhe garantirá mais detractores. A estreia mundial no Festival de Veneza foi disso sintomática, gerando mais rejeição do que adesão, e vendo o filme não se estranha que este seja um dos que despoleta reacções muito extremadas.
Ensaio sobre as interligações entre o amor e a morte, a película volta a juntar o realizador a propostas atípicas e arriscadas, centrando-se num romance de um casal que se dilui em três contextos espaciais e temporais diferentes: um na Espanha do século XVI, outro nos EUA dos dias de hoje e um terceiro num plano astral, durante uma época não identificada. Este último será talvez o que mais contribui para que o filme ganhe alguns ódios viscerais ou, pelo menos, olhares de soslaio, uma vez que é o que contém as sequências mais abstractas e de considerável carga simbólica, por vezes resvalando para uma duvidosa fusão de misticismo zen e new age difícil de digerir.
Será, no entanto, injusto ignorar os méritos do filme devido a ocasionais cenas algo pomposas e insufladas, em que Aronofsky se deslumbra com os seus virtuosismos e se arrisca a deixar de fora o espectador. Apesar da notável intensidade plástica que emana de O Último Capítulo nem sempre estar ao serviço da narrativa, gera momentos onde este passa de experiência cinematográfica a sensorial, sendo dominado por uma rara e desconcertante energia. A espessura cromática dos tons com variações de dourados potencia imagens de inegável beleza, onde o jovem realizador volta a confirmar-se como um excepcional e imaginativo esteta, criador de um universo fascinante.
Felizmente, o filme não vale só pela sua minúcia visual mas debruça-se numa história de amor épica e absorvente, onde a continuidade da relação de um casal surge ameaçava pelo medo, raiva e obsessão despoletados pela sugestão da morte. O duo protagonista revela uma entrega invulgar, partilhando uma química palpável e dando ao filme uma forte densidade emocional. Rachel Weisz demonstra que a excelente interpretação em O Fiel Jardineiro não foi um acaso e volta a compor uma personagem com a qual é difícil não sentir empatia, mas é Hugh Jackman quem mais surpreende, expondo um impressionante romantismo magoado a milhas dos seus mornos desempenhos recentes em Scoop ou O Terceiro Passo.
Clint Mansell, habitual colaborador, volta a encarregar-se da banda-sonora mas afasta-se do drum n' bass de Pi e da união de violinos e electrónica de A Vida não é um Sonho, enveredando antes por sonoridades mais serenas e etéreas onde o piano obtém grande parte do protagonismo. Os Mogwai e o Kronos Quartet também contribuem e o resultado convence, o que não é pouco tendo em conta a importância que a música adquire nos filmes de Aronofsky, sendo muito mais do que um mero adorno da imagem.
O Último Capítulo poderá ficar aquém do admirável marco que muitos esperariam (incluindo o realizador), mas tem méritos que compensam plenamente ocasionais escorregões de auto-indulgência e exibicionismo. Afinal, poucos filmes surgidos nos últimos tempos podem orgulhar-se de serem tão desafiantes e de contarem com uma carga poética tão vincada, assim como não serão muitos os novos realizadores que possam consagrar-se já como autores tão peculiares e interessantes como Aronofsky.
® Gonçalo Sá
4 Comments:
Exacto, não é um marco mas é um regalo para os olhos, como todos os filmes do Aranhiço. E o motivo da árvore da vida era fascinante e bem trabalhado.
(esqueci-me de assinar)
Exacto, não é um marco mas é um regalo para os olhos, como todos os filmes do Aranhiço. E o motivo da árvore da vida era fascinante e bem trabalhado.
Flávio
www.a-bomba.blogspot.com
Sim, visualmente é um espanto. A narrativa é mais irregular mas não invalida que este seja um filme muito interessante e recomendável.
Realmente este não é um filme nada fácil, mas confesso que apreciei o género (foi a primeira vez que vi algo deste realizador). O único "pecado" é não se desenvolver mais a narrativa - para a poesia que encerra, poderiam ter-se esticado um pouco mais. Mas talvez o propósito seja mesmo esse, uma vez que o filme em si é já um enorme ponto de interrogação, e deixa-nos também a nós com várias interrogações na cabeça. Desempenhos excelentes, composição estética e banda sonora fascinantes. A reter, sem dúvida: mas entre o amor e o ódio, deve existir pouca gente a opinar...
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