quarta-feira, janeiro 03, 2007

Nunca Tantos Fizeram Tão Pouco

Título Original:
"Clerks 2" (2006)

Realização:
Kevin Smith

Argumento:
Kevin Smith

Actores:
Brian O'Halloran - Dante Hicks
Jeff Anderson - Randal Graves
Rosario Dawson - Becky
Jason Mewes - Jay


Com uma filmografia com tanto de idiossincrática como de pouco consensual, Kevin Smith tem cimentado um percurso singular (e irregular) dentro de domínios do cinema independente norte-americano, apresentando filmes sempre centrados nos subúrbios de Nova Jersey que, por detrás de doses de um humor ácido e politicamente incorrecto, oferecem retratos dos dilemas colocados a uma geração que se prepara para entrar na idade adulta.

Tem sido assim desde a sua primeira longa-metragem, Clerks (1994), e volta a sê-lo na mais recente, Nunca Tantos Fizeram Tão Pouco (Clerks 2), a sequela desse modesto mas marcante filme que se tornou num dos marcos indie da década de 90.

Se por um lado cada filme do realizador tem uma série de elementos que o tornam facilmente reconhecível (com a eventual excepção de Era Uma Vez... Um Pai, que pisa territórios mais convencionais), não é menos verdade que cada uma das suas novas propostas tende a não oferecer grandes acréscimos ao seu (micro)universo, apostando no mesmo tipo de personagens, ambientes e modelos, com melhores (o sobrevalorizado, mas sensível Perseguindo Amy) ou piores resultados (o pretensioso e cansativo Dogma).

Nunca Tantos Fizeram Tão Pouco não é excepção, com todos os defeitos e virtudes que essa formatação acaba por trazer. Mais uma vez há diálogos ora bizarros e hilariantes, ora surpreendentemente sinceros, envolventes e plausíveis, que tanto incidem em discussões sobre a cultura pop - desde as trilogias d'0 Senhor dos Anéis e d'A Guerra das Estrelas aos Transformers -, como se debruçam sobre o racismo, banalidades do quotidiano suburbano, Anne Frank e, claro, sexo, tema que oferece alguns dos momentos mais divertidos (irresistível, a sequência que alia anões à sexualidade feminina).

Ocasionais cena de gosto duvidoso aproximam o filme de exemplos de comédias sobre adolescentes não muito recomendáveis, e mesmo quando se pensa que é impossível ser mais boçal e esgrouviado Smith prova que se pode ir mais além, como numa sequência decisiva e antológica, já perto do desenlace.
Porventura pueris e excessivos, por vezes difícies de aceitar, estes momentos são já parte do estilo do realizador, e não deixa de ser ousado conciliá-los com outros vincados por uma inesperada maturidade, onde a escrita de Smith gera inspiradas reflexões sobre a complexidade das relações humanas.

Nunca Tantos Fizeram Tão Pouco é assim um filme desequilibrado, mas que resulta, sobretudo para aqueles minimamente familiarizados com as suas personagens, que regressam mais de dez anos depois de Clerks, onde tudo começou. Recupera-se assim tanto a dupla de losers balconistas Dante e Randal, agora já não numa loja de conveniência mas num restaurante de fast-food, como os indescritíveis e já icónicos Jay e Silent Bob, estes últimos presenças recorrentes nas películas de Smith.
Além destas, há cameos dos habituais Ben Affleck e Jason Lee e presenças novas como o inocente e tímido Elias, um perfeito contraponto cómico para Randal, ou Becky, a gerente do restaurante que mantém uma relação ambígua com Dante e é interpretada por uma carismática Rosario Dawson.

O filme irá provavelmente agradar seguidores de Smith mas arrisca-se a não ter tanto impacto junto dos que desconhecem a sua obra, uma vez que poderão sentir-se algo descoordenados nesta película com sabor a reencontro de velhos amigos, onde de resto o novo milénio parece ainda não ter chegado, pela forma como a (sub)cultura slacker, tão anos 90, ainda se encontra presente (e não hão-de ser muitos os filmes dos dias de hoje com canções como Misery dos Soul Asylum ou 1979 dos Smashing Pumpkins na banda-sonora).
Mesmo assim, e apesar de Smith já não ter a frescura da estreia, Nunca Tantos Fizeram Tão Pouco é ainda um título a ver, situando-se uns furos acima da maioria das comédias juvenis que chegam do outro lado do Atlântico.

® Gonçalo Sá