quinta-feira, janeiro 04, 2007

Spider

Título Original:
"Spider" (2002)

Realização:
David Cronenberg

Argumento:
Patrick McGrath

Actores:
Ralph Fiennes - Dennis Cleg
Miranda Richardson - Yvonne/Mrs. Cleg
Gabriel Byrne - Bill Cleg
Lynn Redgrave - Mrs. Wilkinson


Em 2002, seu ano de estreia, Spider esteve longe de gerar consenso, situação que se revelou bem contrária à do fabuloso Uma História de Violência, um dos grandes filmes de 2006. São, do mesmo realizador, duas magníficas obras onde não é fácil eleger a melhor, mas, enquanto a segunda prima por uma acessibilidade acentuada, já a primeira trilha por caminhos menos convencionais, sendo que ambas possuem um carácter metafórico deveras fascinante. Spider, inconvencional como é apanágio em Cronenberg (mas também não tão “louca” quanto o admirável O Festim Nu), é assim uma experiência complexa onde não há espaço para quaisquer “facilidades” que tornem esta uma história de uma “confortável” unidimensionalidade.

Isso revela-se logo pelo potencial do material de que estamos a falar aliado a um autor com a categoria e capacidade de Cronenberg. E o material diz-nos: Anos oitenta, Dennis Cleg, também conhecido por Spider, é um homem com graves perturbações mentais que regressa à Londres da sua infância, ficando a habitar numa casa de acolhimento para doentes mentais. Dennis, nesta nova situação, fica habilitado a passear por lugares da capital inglesa que não via desde criança, mas, quando tal acontece, começa a revisitar os fantasmas da sua infância, subindo-lhe ainda mais a loucura à cabeça. É que nesse passado tinham acontecido coisas horríveis que envolviam o seu pai, a sua mãe, uma prostituta e ele mesmo…

Livro bom, filme ainda melhor. A leitura que fiz da obra literária de Patrick McGrath já tem uns anos, mas é notório que Cronenberg não seguiu o livro à risca, tendo-lhe aplicado sabiamente um considerável cunho subversivo, mas sem amenizar a complexidade já existente em papel. Sendo que as ditas alterações se revelaram de desígnios sérios no confronto livro-filme, e sendo que sou apologista de deixar de parte spoilers, não revelando assim o que difere entre obra escrita e obra filmada, passemos a enumerar os (imensos) méritos desta última.

Spider pode ser muita coisa, tem esse poder. Uma das coisas em que para mim o poderei entender é como uma espécie de fábula plangente impregnada de uma inquietante aura de mistério. É um filme deveras humano, com algumas cenas bem fortes, poucos actores e muito talento de toda a produção. Com também uma sentida dimensão compassiva, a película triunfa nos mais variados campos. A fotografia é magnífica, límpida e de uma luminosidade adequada aos frios ambientes londrinos. A banda sonora não lhe fica atrás, conseguindo revelar-se tão fria quanto calorosa, tão misteriosa quanto plácida. A realização prima pela subtileza, encontrando planos de uma eficácia dramática e visual impressionante, um triunfo que vai no caminho da montagem, que coloca os personagens no estado devido, isto é, a estes lhes é concedido o direito de serem alvo de uma duração exímia dos planos, não poucas vezes tendendo para uma certa longuidão, aspecto que lhes confere ainda mais humanidade e que firma que este é um filme também para contemplar. Visto que os diálogos não abundam, isso faz ainda mais sentido.

E que dizer das interpretações? Simplesmente enchem as medidas. Gabriel Byrne tem aquilo que se lhe pede, competência, mas quem brilha intensamente são Miranda Richardson e Ralph Fiennes. A primeira encarna dois papéis, a mãe de Dennis e a prostituta Yvonne (isto, na infância de Dennis). O trabalho de caracterização que as diferencia é de um rigor tão apurado que praticamente não se percebe que a actriz é a mesma. E que actriz ela é neste filme! Provavelmente nunca esteve tão bem na sua carreira e é extremamente difícil apontar agora quem tenha encarnado o Bem (mãe de Dennis) e o Mal (Yvonne) com um brio tão avassalador no mesmo filme. Este maniqueísmo aqui presente diz-nos que a actriz soube lidar eximiamente com o interpretar do amor supremo de mãe e da repugnante abjecção da prostituta. Muito impressionante, no mínimo.

O outro intérprete de nível altíssimo, Ralph Fiennes, actua como protagonista. O personagem do perturbado Dennis “Spider” Cleg não podia estar melhor entregue. Meticuloso nos trejeitos, formidável na contenção, o actor britânico está soberbo. Parece carregar consigo uma boa porção da inadaptabilidade que paira por muito deste Mundo. Sim, porque Spider também é um filme universal nesse sentido, no conflito do Homem enquanto Ser que procura o seu lugar no Mundo. E como aspectos destes não nos são atirados gratuitamente à cara, havendo que teorizá-los, esta é uma obra que justifica o nosso circunspectivismo ser posto à prova, atendendo que embrenhar por esta desconcertante jornada deve ser encarado com a máxima das seriedades. Nada disto é garantia de que o filme funcione seja com quem for, não é daqueles em que gregos e troianos concordem. Pode sim é tornar-se num caso sério de fascínio, daí que lhe deva ser dado uma oportunidade. E, claro, Cronenberg é obrigatório – como se isso fosse novidade…

® Artur Almeida

4 Comments:

At 4:09 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Uma obra prima, este Spider!

 
At 8:04 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Ora aí está:)

 
At 1:46 da manhã, Blogger gonn1000 said...

Grandes férias, hein? Bem vindo, logo com uma crítica de bom nível a acompanhar.

 
At 3:11 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Pois, o tempo não tem abundado por estas paragens:( E obrigado:)

 

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