quarta-feira, abril 27, 2005

Minha Mãe

Título Original:
"Ma Mère" (2004)

Realização:
Christophe Honoré

Argumento:
Christophe Honoré

Actores:
Louis Garrel - Pierre
Isabelle Huppert - Hélène


Após experiências recentes em obras como A Pianista, de Michael Haneke, ou Duas, de Werner Schroeter, Isabelle Huppert regressou ao grande ecrã em mais um papel atípico. Minha Mãe é uma intensa proposta do cinema francês contemporâneo, centrando-se num universo claustrofóbico que congrega temas como o sexo, os laços familiares, o crescimento, a morte, a moral, a obsessão e o amor.
O cineasta Christophe Honoré adaptou a obra literária homónima do "escritor maldito" Georges Bataille, inserindo na sua versão algumas influências de autores mais recentes como Bret Easton Ellis ou Dennis Cooper.

Focando as relações ambíguas entre um jovem de 17 anos, Pierre (Louis Garrel, que participou no muito recomendável Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci) e a sua mãe Hélène, uma instável e hedonista mulher de meia-idade (Isabelle Huppert), Minha Mãe apresenta um denso olhar sobre personagens fracturadas que testam os limites da perversão e do amor.

Educado pela avó, Pierre encontra-se com os pais nas ilhas Canárias na perspectiva de se tornar mais próximo destes, mas pouco depois da sua chegada o seu pai sofre uma morte abrupta e inesperada. Com uma estrutura familiar dilacerada, o processo de crescimento e educação de Pierre será agora obtido através das experiências geradas pela sua mãe, que o inserem num mundo divergente das influências mais tradicionais e conservadoras que o moldaram até então. À medida que vai desvendando os segredos que Hélène lhe escondia, Pierre começa a sentir emoções cada vez mais extremas e profundas em relação à sua mãe, encetando uma caminhada numa complexa espiral descendente que o conduz ao abismo e a uma realidade difícil de suportar.

Christophe Honoré apresenta uma história marcada por atmosferas enclausuradoras e soturnas, ambientes caracterizados por personagens deslocadas e sem rumo que vivem experiências desprovidas de limites e fronteiras.
A vertente transgressora do filme adensa-se continuamente, acompanhando a iniciação sexual de Pierre e as suas perspectivas (cada vez mais ambivalentes) acerca do novo mundo a que é exposto, despoletando um processo que mescla as margens entre a inocência e a perversão. Para melhor explorar este processo, o realizador recorre às ambiências nocturnas da ilha que, apesar de preenchidas por uma imensa multidão de turistas num contexto festivo e boémio, se caracterizam por cenários de sinistra melancolia e cruel solidão. Nestas viagens nocturnas ocorrem arriscados e intensos jogos de sedução, que originarão um conjunto de cenas cruas e abrasivas marcadas pelo desejo e sexo.
O realizador proporciona momentos que recorrem a um erotismo duro e visceral, essenciais para que Pierre se aproxime do universo e dos territórios de Hélène. Devido a cenas como essas, Minha Mãe arrisca-se a ser encarado como mais um filme-choque que tenta destacar-se pelo repúdio e abjecção que poderá eventualmente suscitar (um pouco à semelhança com o que ocorreu com Ken Park - Quem És Tu?, de Larry Clark, que se estreou em Portugal em 2003 e abordava temáticas relativamente próximas). Contudo, o realizador preocupa-se em oferecer ambientes, personagens e linhas narrativas suficientemente convincentes e hipnóticos para que tal rótulo seja desconsiderado, gerando uma obra que tem tanto de emocional e caloroso como de gélido e distante.

Apresentando uma interessante perspectiva acerca da gestão dos afectos, das dores de crescimento, da sexualidade, da perversão e do desvio, Minha Mãe combina ambientes oníricos, algum humor negro, um desconcertante estudo de personagens e comprova a vitalidade do cinema francês recente.
Dificilmente será um filme consensual, em certos momentos é mesmo pouco apelativo e e algo repetitivo, mas essa natureza dúbia (que tanto entusiasma e absorve como se estranha e repele) torna-o numa das obras mais ousadas e singulares de 2004.

® Gonçalo Sá