domingo, julho 31, 2005

Gangs de Nova Iorque

Título Original:
"Gangs of New York" (2002)

Realização:
Martin Scorsese

Argumento:
Jay Cocks, Steven Zaillian & Kenneth Lonergan

Actores:
Leonardo DiCaprio - Amsterdam Vallon
Daniel Day-Lewis - Bill Cutting
Cameron Diaz - Jenny Everdeane
Jim Broadbert - William Tweed


Um dia Scorsese descobriu por acaso um livro da autoria de Herbert Ashbury intitulado Gangs de Nova Iorque, que retratava a vida nessa cidade em meados do século XIX quando surgiram os primeiros grupos de rua armados. Passadas três décadas de investigação, Scorsese recolheu as informações e reuniu as condições necessárias para realizar com a perfeição que sempre exige este filme épico.


Ecrã totalmente a negro. Chama-nos a atenção o som arrepiante duma navalha a roçar a pele de um rosto. O Padre Vallon (Liam Neeson) faz a barba sob o olhar atento do seu filho, o pequeno Amsterdam. Na maior parte imigrantes irlandeses, os homens do gang Coelhos Mortos, liderados por Vallon, preparam as suas armas para uma feroz luta contra os intitulados “nativos americanos” liderados por Bill Cutting (Daniel Day-Lewis), mais conhecido por Bill, the Butcher (O Talhante). A primeira parte deste filme, cuja acção se inicia em 1846, é marcada por esta grande “batalha” que enche de sangue a neve que cobre o chão da violenta Paradise Square, no submundo do crime do bairro de Five Points, situado na pobre e caótica parte sul de Nova Iorque. Perante o desespero de Amsterdam, que assiste ao longe à batalha, o Padre Vallon acaba por morrer às mãos de Bill e o nome dos Coelhos Mortos é proscrito.


Esta acção marca o filme, pois durante os dezasseis anos que esteve numa casa de correcção, Amsterdam jurou a si mesmo vingar a morte do pai. Voltando a Five Points observa como o bairro se divide em verdadeiras tribos constituídas por todos os tipos de ladrões, cujos nomes e designações dos tipos de roubo são bizarros, e todos eles dão uma percentagem dos lucros a Bill para poderem coexistir sem conflitos. Os cenários surpreendentes das ruas sujas e violentas com habitações sobrepovoadas, a caracterização das personagens e dos figurantes, a cargo de Dante Ferreti, mostram como hoje em dia se pode reconstituir de forma tão realista uma cidade ainda a ser forjada pelos que nela habitavam.


Amsterdam sabe que todos os anos os “nativos” celebram a vitória sobre o seu pai, e ao reencontrar um amigo, é apresentado a Bill. O Talhante simpatiza com Amsterdam e a partir daí o jovem começa a engendrar os seus planos de vingança. Conseguirá ele o que tanto quer sem que descubram a sua verdadeira identidade? A personagem de DiCaprio é marcada pela sede de vingança, mas podemos ver que não possui o espírito de um “bom ladrão”, nem a crueldade de um assassino. Apenas um instinto de sobrevivência no mundo do crime. O romance de Amsterdam e Jenny Everdeane (Cameron Diaz), uma bela, hábil e engenhosa ladra, por vezes não parece funcionar para além de uma atracção física. Daniel Day-Lewis tem uma boa interpretação como Bill, frio, cruel, de aparência sui generis, era literalmente um talhante, pois possuía um negócio de carnes, que ele mesmo administrava, e era um hábil lutador. É a segunda vez que este grande actor (galardoado com um Óscar no princípio dos anos 90 pelo seu inesquecível papel em O Meu Pé Esquerdo) trabalha com Scorsese, depois de A Idade da Inocência (1993), que focava o requinte das classes opulentas, um retrato totalmente oposto da Nova Iorque deste filme.


Um dos factos bem retratados no filme era a forma nada amigável como os imigrantes irlandeses católicos (que chegavam a ser quinze mil por semana) eram recebidos mal colocavam os pés em solo americano. Os “nativos” liderados por Bill, representavam os descendentes dos colonizadores protestantes da América que acreditavam possuir o direito sobre o território e a pura cidadania americana, atiravam pedras aos imigrantes, sem olhar a idade ou sexo. Os políticos corruptos, ligados ao submundo do crime, são bem representados por William Tweed (Jim Broadbent, o Harrold de Moulin Rouge), um personagem real, e distribuem panfletos prometendo “mundos e fundos” em troca de votos. Como se tudo isso não bastasse, representantes do exército “incentivavam” os imigrantes a alistarem-se no exército, pois naquele período o norte e o sul da América combatiam na terrível, devastadora e mortífera Guerra da Secessão. Um dos factos verídicos retratados neste filme foi a polémica decisão do presidente Abraham Lincoln, que permitia aos ricos livrarem-se por trezentos dólares do primeiro recrutamento obrigatório da história dos E.U.A. Os pobres eram quem combatia na guerra.


Apesar da violência e da por vezes exagerada quantidade de sangue derramada, era escusado que Gangs de Nova Iorque e o seu realizador fossem “tão nomeados” para os Óscar de 2003 para depois serem injustamente ignorados. Nem o excelente tema do filme Hands that built America, escrito e interpretado pelos U2, mereceu uma das famosas estatuetas douradas. Apesar dum evidente erro de caracterização duma das personagens na segunda parte e dos motivos acima referidos, talvez daqui a alguns anos este filme seja mais valorizado quanto à forma como foi feito, ao seu retrato histórico e à história que envolve as personagens – o resultado da fusão de dor, tragédia, amor, ódio, amizade, desespero, vingança, traição, espectáculo, conflitos religiosos e raciais, luta de classes, medo, morte e violência.

® Isabel Fernandes

1 Comments:

At 3:15 da manhã, Blogger Gustavo H.R. said...

Bela apresentação ao esmiuçar a história do filme. Pois é justamente nela que encontro problemas, pois ao invés de focar-se nas interessantes peculiaridades do período, o roteiro apostou numa cansativa história de vingança que resultou rala. O AVIADOR é superior em todos os aspectos...

 

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