domingo, outubro 23, 2005

Marnie

Título Original:
"Marnie" (1964)

Realização:
Alfred Hitchcock

Argumento:
Jay Presson Allen, baseado no romance de Winston Graham

Actores:
Tippi Hedren – Margaret (Marnie) Edgar
Sean Connery – Mark Rutland
Diane Baker – Lil Mainwaring
Louise Latham – Bernice Edgar


Crime, sexo e mistério são apenas alguns dos ingredientes especiais de Marnie – um dos muitos e interessantes filmes de Alfred Hitchcock. Difícil de definir pelo próprio realizador este complexo thriller combina algumas categorias entre si: romance, policial e mistério (se é que se pode mesmo especificar uma categoria).


Margaret (Marnie) Edgar é uma jovem e bela mulher que muda constantemente de emprego e de identidade com o intuito de roubar os cofres das empresas onde trabalha. O filme começa após mais um golpe de Marnie, desta feita na empresa de Strutt (Martin Gabel), que tem Mark como um dos clientes. Com o dinheiro do bem sucedido golpe, Marnie desfaz-se do seu disfarce e viaja para Baltimore para visitar a mãe. Apesar das ofertas da filha, Bernice trata-a com alguma frieza e distanciamento e Marnie rapidamente volta a procurar emprego. O destino troca-lhe as voltas quando, já em Filadélfia, se candidata ao emprego de secretária na empresa cujo dono é Mark Rutland. Embora saiba perfeitamente quem ela é: uma ladra compulsiva e mentirosa, Mark sente-se atraído e apaixona-se pela jovem, tecendo pouco a pouco uma teia para a apanhar. Obrigada a escolher entre ele e ser apanhada pela polícia, Marnie aceita casar, apesar de sentir um total repúdio pelos contactos mais íntimos.


Marnie é simultaneamente a malvada e a heroína do filme. Apesar de cometer o crime de roubar, simpatizamos com ela porque não faz isso por prazer, mas sim por um desejo compulsivo – cleptomania – resultante de um misterioso trauma de infância que só nos é revelado no final do filme. Uma das cenas que tão bem caracterizam a técnica e o método de montagem “hitchockianos” e fomentam o suspense ocorre quando Marnie rouba um cofre. Outro facto que desperta a nossa “solidariedade” para com esta personagem é a sua busca constante de carinho de uma mãe fria e distante. A relação entre elas seria certamente objecto de estudo de Freud. Inicialmente este papel foi atribuído a Grace Kelly, no entanto esta abandonaria a sétima arte para se casar e tornar na Princesa do Mónaco. Mark é um personagem que coube perfeitamente a Sean Connery, devido ao perfil de galã/sex-symbol que outro personagem (será sempre o primeiro e por isso o eterno agente James Bond) lhe incutiu.


Numa época em que a censura em relação a certas temáticas cinematográficas, como o sexo, eram bastante rígidas, Hitchcock conseguiu subtilmente contornar essas dificuldades para realizar um filme onde a alusão à polémica temática sexual é tão explícita. Claramente influenciado pela psicanálise de Freud, o realizador serviu-se dos receios e tormentos de Marnie para abordar essa temática. Tal é reflectido através do comportamento de Mark, que acaba por desempenhar o papel de médico-terapeuta da própria esposa, insistindo para que ela se recorde do seu passado e questione o seu medo em relação à cor vermelha, às tempestades e sobretudo a sua frigidez. Evocando a sua educação católica, Hitchcock estabelece desde logo uma ligação entre o sexo e o mal, servindo-se do interesse de Mark na zoologia para classificar o acto sexual como algo de “animalesco e selvagem”, uma resposta a um instinto ou estranha forma de desejar alguém sobretudo a nível físico. Outro aspecto que chama a atenção é o facto de Hitchcock imprimir na figura materna uma influência decisiva no comportamento anormal da filha, tal como fizera em Psico (1960) com a relação entre o perturbado Norman Bates e a sua terrível mãe.


Inicialmente incompreendido pelos críticos e pelo público, Marnie foi visto como uma “obra menor” de tão famoso realizador, tendo-se verificado mesmo algum descuido em relação a determinados aspectos técnicos como os cenários de fundo. Este filme marcou uma viragem marcante no percurso de Hitchcock enquanto realizador: foi o último filme em que com ele colaborou a sua habitual equipa de filmagem e a última vez em que a atribuição do repertório musical foi entregue a Bernard Herrmann.

® Isabel Fernandes

3 Comments:

At 11:28 da manhã, Blogger Daniel Pereira said...

Grande filme, embora não dos melhores do mestre. Mais um "macguffin", não tão depurado como em outros casos, neste caso a história da ladra e dos roubos, para um filme que é "freudiano". Não sendo dos melhores evidencia, mesmo assim, a excelência de Hitchcock enquanto realizador.

 
At 12:36 da manhã, Blogger José Varregoso said...

Olá Pessoal! Gostei de ler as vossas opiniões. Se quiserem, passem pelo meu blog que ironicamente se chama EU, HITCHCOCKIANO, ME CONFESSO. Escrevo muito sobre o Mestre do Suspense e é um prazer conduzir um blog sobre um cineasta tão interessante e procurando, sempre que possível, abordar temáticas variadas relacionadas com o Suspense.
"Marnie" é uma obra peculiar. Revi este filme no Verão passado numa bela sessão na esplanada da Cinemateca Portuguesa. Sou levado a admitir que sendo uma obra interessante, não poderá no entanto ser enquadrada entre as obras-primas supremas de Hitchcock.
Não se trate de um filme de suspense puro e simples como os seus imediatamente anteriores "Intriga Internacional", "Psico" e "Os Pássaros".
"Marnie" é um belo exemplar cinematográfico que se movimenta com alguma desenvoltura num ambiente enigmático e misterioso. Tem algumas cenas brilhantes. A cena do roubo de Marnie ao seu patrão Sean Connery é tipicamente hitchcockiana. Cena fortemente assente no papel da imagem: um palco dividido em duas partes em que vemos uma mulher limpando o escritório de um dos lados e outra «limpando» o conteúdo do cofre e remetendo-o para dentro da sua mala.
O aspecto artificial de certos cenários, a meu ver, joga a favor do filme. Confere-lhe um aspecto irreal, onírico e fantasmagórico. E neste domínio, refiro-me à imagem do barco ao fundo da rua onde vive a mãe de Marnie. É uma perspectiva estranha aquela do barco pintado mas francamente até gosto do aspecto sinistro que confere à rua. É preciso não esquecer que foi de um barco como aquele que veio o marinheiro causador de toda a tragédia.
"Marnie" tem uma banda sonora lindíssima de Bernard Herrmann. E uma bela fotografia a cores. Mas usa e abusa da temática da Psicanálise e desilude os que esperam suspense. Verdadeiramente esta não é uma história de suspense mas antes um drama de intensidade psicológica extrema.
Alguns cinéfilos apreciam imenso "Marnie". Outros nem tanto. Gosto de pensar em "Marnie" como um dos mais interessantes filmes de Hitchcock embora não seja um dos mais bem conseguidos.
Envio um abraço a todos. Muita Saúde e Bom Cinema!

 
At 1:34 da manhã, Anonymous Anónimo said...

A cleptomania é a realização simbólica de um ato sexual extremamente neurótico e que apresenta as mesmas caracteristicas da relação sexual, com um período de grande tensão que antecede o ato, seguido de grande prazer e relaxamento após sua conclusão.
Vale lembrar que para o cleptomaniaco o que é importante é o ato em si, não tendo nenhum siginificado para ele se o objeto roubado é valioso, necessário, ou de alguma utilidade.
Paulo Roberto Munia.

 

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