quinta-feira, junho 02, 2005

24 Hour Party People

Título Original:
“24 Hour Party People” (2002)

Realização:
Michael Winterbottom

Argumento:
Frank Cottrell Boyce

Actores:
Steve Coogan- Tony Wilson
Sean Harris- Ian Curtis
John Simm- Bernard Sumner


Não é preciso ter vivido a época desta revolução geracional para criar empatia com a obra, embora a sua assimilação possa ser elevada pessoalmente com quem o tenha feito e consequentemente se identificado. Dada a minha tenra idade, pressinto que o fascínio que sinto poderia ter sido ainda mais apaixonado e até mais coerente, admito, apesar de ser elevadíssimo. Mas como a “onda” retratada no filme diz-me imenso e a música é do meu autêntico aprazível conhecimento, consigo retirar além do que está ao meu alcance histórico e de interesses, uma certa mística cultural marginal, provocada pela desconcertante espontaneidade que pauta o filme por inteiro que bem se pode definir como virtude autêntica. E a verdade é que não consigo deixar de ter tanto em conta um filme no qual penso tanto. É talvez do mais ingrato que se pode fazer a ele, não reconhecer devidamente as sensações indeléveis que nos provoca.

24 Hour Party People, brilhante e adequadíssimo título que advém de uma belíssima canção dos Happy Mondays, relata a ascensão e queda da Factory Records de Manchester, “nomeada” Madchester dado o impacto rebelde que a etiqueta discográfica que lançou grupos como Joy Division, New Order, Happy Mondays fez provocar. O mítico clube nocturno Hacienda, local de eleição dos concertos das bandas em questão, também merece uma palavra de destaque no filme onde é exemplarmente retratado. Tudo começou em 1976, quando Tony Wilson (Steve Coogan), o protagonista e relator desta aventura cinematográfica e o seu amigo Alan Erasmus(Lennie James) imaginam um projecto que iria mudar a indústria musical nas duas décadas seguintes e colocar Manchester no mapa. Isto, depois de assistirem a um enérgico concerto dos Sex Pistols que os motiva gigantemente para esta missão revolucionária.

É aqui, neste frémito que varreu Manchester, que se deu o nascimento da cultura rave, a beatificação do beat, a era dançável, mas do punk ao pop-rock enérgicos, para muitos efeitos, não dos muitos redutores sons industriais que se ouve nowadays nas discotecas, envergonhando o fabuloso legado desta cultura.

Steve Coogan, absolutamente assombroso, nasceu para ser Tony Wilson, tal como Alan Rickman para Hans Gruber ou James Spader para Graham (Sexo, Mentiras e Vídeo). A voz, a postura, a arrogância carismática, bem, não é preciso dizer muito mais, tirando o desejo de uma futura carreira o melhor aproveitada.

Filme com um estilo muito próprio, parece não querer provocar profundidade a não ser pela sua forma. É de salientar que o brittish nonsense que povoa toda a acção só lhe dá mais força enquanto retrato não dramático nem biográfico mas sim de falso documentário estilizado de uma era que ficou na história principalmente pelas melhores razões. Não há que procurar aqui um registo convencional no tratamento da narrativa, o seu constante grafismo visual frenético encarrega-se de transmitir toda a estranheza cultural pop underground atordoante de tão riquíssima época. As vivências e atitudes dos personagens são tão obscuramente berrantes e desencantadamente vivas que a melhor maneira de registá-las audiovisualmente é optar pela ousadia de uma “mise-en- scène” que dá a impressão de só se querer levar a sério a compreensão da obra pelo contraste entre o conteúdo e a forma de contá-lo. A banda sonora é um autêntico must.

“Você não passa de um idiota se perder este filme” diz o Chicago Tribune, “Não podia ter gostado mais” aponta a Rolling Stone, “Um dos mais provocativos filmes de sempre” recarga o jornal de Chicago, “Fenomenal”, Moby. Eu acrescento “memorável”.

24 Hour Party People, uma história apaixonante contada por um Ser claramente “avant-garde”, que deu liberdade aos seus artistas, sendo isso a sua ruína, mas… há males que vêm por bem.

® Artur Almeida

5 Comments:

At 10:22 da manhã, Blogger gonn1000 said...

Bela crítica, Artur. Achei o filme interessante, mas um pouco sobrevalorizado, embora perceba o fascínio que causa em alguns...

 
At 9:29 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Pois, a elevação pessoal está lá, claro. Mas não tem assim tão grande determinismo na minha opinião, visto que o acho carregadíssimo de virtude, o k foi determinante para me cicatrizar mentalmente.

Obrigado pelo elogio:)

 
At 9:14 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Não gostei nada do filme, por optar pela via do retrato estrito de uma época e se esquecer daquilo que lhe esteve na origem: a música.
Explicando melhor: é um filme hiperfocalizado na personagem ( pitoresca sem dúvida) do Tony Wilson ( Steve Coogan é a melhor coisa do filme), no caminho acidentado que trilhou no mundo da música e em pequenos fait-divers mais ou menos relevantes e mais ou menos cómicos. Terá sem dúvida um poder importante de contextualização histórica de um período... No entanto, há pouco cinema e pouca música- a que há é pobremente tratada a nível cinematográfico. Seria um fabuloso musical ( porque ouvir Joy Divison ou HAppy Mondays é sempre um prazer), mas, talvez devido à câmara irrequieta e in-estética do Winterbottoom, acabou por se perder um excelente filme.
Concordo, por isso, com o Gonn1000.
Mas também percebo o ponto de vista do Artur Almeida- acredita que não estamos em lados opostos no que toca a "24 Hour Party People"....

cumpriemntos

 
At 10:30 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Eu entendo-te Luís Mendonça e é aí que entra a tal coisa da subjectividade nos mais variados níveis. Pois eu achei que o rumo que o filme tomou foi deveras interessante e ousado. Achei que a música foi bem tratada, também no ponto de vista do filme se focalizar mais nas reacções e nas vivências dos personagens que a música provocou possibilitando recuperar o espírito sócio-cultural de uma época, vendo também que este parece-me ser 1 filme feito para muita gente voltar às memórias nostálgicas e perceber como se deu o aparecimento da música nas suas vidas e o que DISSO adveio. E mesmo assim acho que a música não foi pouca e se calhar se fosse em maior quantidade este não seria 1 filme DIFERENTE, o que acho que ajuda o espírito angst do pessoal para o qual este filme é muito mais indicado na medida de haver uma dualidade generosa entre o que aquela época significou para esse pessoal e a forma igualmente angst e frenética que o filme lhes é transmitido. Tinha de ser 1 filme diferente, também para esta gente poder-se identificar com 1 certo espírito revolucionário, e as pessoas mereciam-no.

Cumprimentos:)

 
At 12:49 da manhã, Blogger Woman Once a Bird said...

Grande, grande texto. Pena que a colaboração seja tão rara por estas bandas. Há que escrever mais, ou melhor, deixar o testemunho com mais regularidade. É um gosto ler-te.

 

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