quarta-feira, janeiro 30, 2008

Evan, O Todo-Poderoso

Título Original:
"Evan Almighty" (2007)

Realização:
Tom Shadyac

Argumento:
Steve Oedekerk

Actores:
Steve Carell - Evan Baxter
Morgan Freeman - Deus
Lauren Graham - Joan Baxter


Steve Carrell é um dos nomes que se tem distinguido na comédia norte-americana recente, acumulando elogios tanto do público como da crítica ao longo de uma carreira que tem ganho consistência em filmes como "Virgem aos 40 Anos", "Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos" ou a versão americana da série "The Office".

"Evan, O Todo-Poderoso" (Evan Almighty), contudo, é um dos títulos em que o seu talento surge mais desaproveitado, mal empregue numa comédia com raros (ou mesmo nulos) momentos de humor conseguido e assente num argumento tosco e preguiçoso. Pegando nos pressupostos de "Bruce, O Todo-Poderoso", protagonizado por Jim Carrey, Tom Shadyac conta aqui uma nova versão da parábola bíblica da Arca de Noé, sendo que agora o papel de construtor da mesma cabe a Evan, um congressista recém-eleito que, após mudar com a família para uma casa luxuosa, percebe que os seus novos desafios profissionais serão os menos problemáticos com que se irá deparar.

Inicialmente o protagonista não leva a sério a missão que lhe é incumbida por Deus, com quem vai dialogando em várias ocasiões inesperadas e cuja identidade coloca em causa, mas aos poucos vai verificando que as suas recomendações não só fazem sentido como devem ser cautelosamente seguidas. Por isso, à medida que vários casais de diversas espécies de animais começam a instalar-se perto da sua casa, Evan decide começar a construir a Arca, tarefa que o coloca no epicentro de um considerável aparato mediático e de uma não menos densa crise familiar e profissional.

"Evan, O Todo-Poderoso" é vendido como uma comédia embora não passe de uma inconsequente lição de moral onde a subtileza e a complexidade não marcam presença, investindo num tom ligeiro durante parte da sua duração e tornando-se mais constrangedor quando adopta um tom sério e despropositado. Os gags ora investem num slapstick infantil e forçado ora em one liners de pouca graça, e chega a ser penoso aguentar tantas doses de tropeções, embaraços e escatologia servidos sem qualquer sentido de timing cómico.

As personagens já seriam fracas para uma sitcom indistinta, e limitam-se a passear de cena em cena sem que ganhem qualquer espessura, sendo pouco mais do que cabeças falantes. É certo que há um esforço para que o protagonista ganhe alguma densidade, mas à custa de uma débil gestão da carga dramática, derrapando num sentimentalismo incómodo e enjoativo. Pior estão os seus três filhos, que não chegam a ganhar qualquer personalidade ou função, e o antagonista é um concentrado de lugares comuns na caracterização de políticos fraudulentos.

Shadyac nunca decide se se dirige a crianças ou adultos, oferecendo uma falhada comédia familiar que não merecia os competentes efeitos especiais nem alguns bons actores - além de Carrell, há Morgan Freeman na pele de Deus ou a discreta Lauren Graham como esposa do protagonista, que passa o filme sem ter o que fazer. Nada muito inesperado considerando a filmografia do realizador, que entre outros títulos pouco memoráveis inclui "Patch Adams", "O Professor Chanfrado" ou "O Mentiroso Compulsivo".

Com tantos bons filmes que chegam a Portugal só em DVD (quando chegam), "Evan, O Todo-Poderoso" tem honras de estreia mas está a um nível qualitativo tão raso como os mais anódinos subprodutos que invadem a programação televisiva aos fins-de-semana à tarde. Mais vale, assim, apanhá-lo por lá daqui a uns tempos (se tiver mesmo que ser), uma vez que até os fãs mais acérrimos do actor principal correrão o risco de saírem desiludidos depois de o verem descer tanto a fasquia. É que Evan, apesar de ser Todo Poderoso, não consegue fazer milagres, embora o filme precisasse muito de um.

® Gonçalo Sá