quarta-feira, janeiro 23, 2008

As Canções de Amor

Título Original:
"Les Chansons d'amour" (2007)

Realização:
Christophe Honoré

Argumento:
Christophe Honoré & Gaël Morel

Actores:
Louis Garrel - Ismaël Bénoliel
Ludivine Sagnier - Julie Pommeraye
Chiara Mastroianni - Jeanne
Clotilde Hesme - Alice


O musical, género cinematográfico considerado morto por alguns, tem nos últimos anos ressuscitado através de títulos tão díspares como "Moulin Rouge", de Baz Luhrmann, "Dancer in the Dark", de Lars Von Trier", ou "Hairspray", de Adam Shankman, entre outros, investindo tanto em formatos clássicos como mais extremos.

"As Canções de Amor" (Les Chansons D'Amour), o quinto filme do francês Christophe Honoré, é mais um exemplo da vitalidade que o género ainda vai exibindo ocasionalmente, recolhendo influências da obra de Jacques Demy (nomeadamente de "Os Guarda-Chuvas do Amor", de 1964) e recontextualizando-as num cenário parisiense contemporâneo, palco dos (des)amores de um grupo de jovens dos dias de hoje.

A música já tinha sido um elemento basilar no filme anterior do realizador, "Em Paris", em especial numa inesquecível cena onde Romain Duris ouvia uma canção de Kim Wilde no quarto ou numa outra onde cantava "Avan la Haine" ao telefone, mas em "As Canções de Amor" surge com uma relevância reforçada, uma vez que os vários momentos em que as personagens cantam são episódios fundamentais para a expressão das suas convulsões emocionais.

Embora a vertente musical seja forte, o filme não se resume, ao contrário de outros exemplos do género, a uma sucessão de números mais ou menos pomposos e impressionantes, antes investe numa sólida base dramática complementada por canções sóbrias e melancólicas. Compostos por Alex Beaupin, os temas seguem a tradição singer/songwriter e são interpretados pela maioria dos actores, abordando, tal como o filme, as dificuldades das relações humanas e nunca desvirtuando a atmosfera discreta e realista que domina a narrativa.

Dividido em três actos - a partida, a ausência e o recomeço -, "As Canções de Amor" começa por se centrar num triângulo amoroso que é destruído pela súbita morte de um dos jovens que o constitui. O filme segue depois as reacções dos outros dois, em especial as de Ismael, que ao tentar reconstruir a sua vida enceta várias relacionamentos sem superar, no entanto, a tragédia recente.

Tal como nos títulos anteriores de Honoré, o amor e a família voltam a ser elementos centrais, e o realizador constrói novamente uma história assente em personagens credíveis, onde os erros que fazem não as impedem de gerar empatia e apenas reforçam a sua verosimilhança.

A narrativa mantém a leveza de "Em Paris", contando com uma realização viva e imaginativa, mas não exibicionista, e o tom caloroso reforça a ideia de que Honoré deixou para trás os ambientes clínicos e inquietantes de "Minha Mãe". O que se recupera, e de forma cada vez mais madura, é um subtil olhar sobre as relações amorosas, que em "As Canções de Amor" se desdobram entre a monogamia e a poligamia, assim como pela hetero, bi e homossexualidade, sem que se enverede por qualquer tentativa de moralismo, irreverência juvenil ou choque gratuito.

O elenco reflecte o mesmo equilíbrio e inclui nomes confiáveis como Louis Garrel, habitué nas obras do realizador, que mais uma vez confirma ser um dos melhores jovens actores de hoje, epíteto que que também pode servir para Ludivine Sagnier, que tem aqui um dos seus desempenhos mais comoventes e memoráveis.

A presença - e voz - de Chiara Mastroianni ou Clotilde Hesme, em papéis secundários, sedimentam o afinco da direcção de actores, contribuindo para que o filme resulte num conjunto de grandes canções e interpretações. É o melhor de Honoré a chegar a salas nacionais e catapulta-o para a lista de cineastas obrigatórios do novo cinema francês, sendo também uma das experiências cinematográficas mais belas e contagiantes do ano. A ver - e ouvir - sem reservas.

® Gonçalo Sá