quarta-feira, julho 11, 2007

As Tartarugas Também Voam

Título Original:
"Lakposhtha hâm parvaz mikonand" (2004)

Realização:
Bahman Ghobadi

Argumento:
Bahman Ghobadi

Actores:
Soran Ebrahim – Satellite
Avaz Latif – Agrin
Saddam Hossein Feysal – Pashow
Hiresh Feysal Rahman - Hengov


Do cinema iraniano recente têm chegado a Portugal sobretudo títulos de Abbas Kiarostami (O Vento Levar-nos-á, Dez), mas do mesmo local há outros realizadores que importa conhecer, como Bahman Ghobadi, que tem em As Tartarugas Também Voam (Lakposhtha hâm parvaz mikonand) a sua terceira longa-metragem e a segunda a estrear por cá, depois de Um Tempo para Cavalos Bêbedos.

Premiado nos festivais de Berlim, San Sebastian ou Festróia, entre outros, o filme concentra-se no quotidiano de um grupo de crianças do Curdistão que, pouco antes da invasão do Iraque pelos EUA, em 2003, tentam preparar-se para o pior, uma vez que entre a população de refugiados na zona fronteiriça se pressente o desastre iminente.

Lideradas pelo precoce Soran, mais conhecido como Parabólica, passam os dias a limpar os campos de minas, uma das poucas tarefas que lhes proporciona alguma hipótese de subsistência. Parabólica, figura respeitável na região devido ao seu relativo domínio da língua inglesa e interesse pelas tecnologias, ameaça perder parte do seu carisma devido à chegada de Henkov, um lacónico rapaz sem braços cujas premonições o tornam alvo de atenção. Orfão e traumatizado pela guerra, o recém-chegado viaja com a sua irmã, a silenciosa Agrin, por quem Parabólica se interessa, e com um bebé praticamente cego.

Através da interacção destas personagens, As Tartarugas Também Voam traça uma perspectiva, por vezes esperançosa mas tendencialmente angustiante, das frágeis realidades vividas pelos refugiados de guerra, presos a uma vertigem constante devido a um apocalipse bélico que parece prestes a explodir.

Enquanto tal não acontece, acompanham as notícias emitidas pelos canais de televisão ocidentais, na tentiva de encontrar informações que lhes permitam antecipar os ataques, centrando especial atenção em George Bush, que Parabólica encara de forma reverencial (considerando-o a figura nuclear da nação que virá para os salvar, mas que indirecta - e ironicamente - será responsável por um nefasto incidente). Ainda acerca do impacto da televisão, uma das cenas mais bizarras é aquela em que um grupo de refugiados assiste, durante alguns segundos, a um canal de música, cujo visonamento é proibido na região.

Ghobadi proporciona um filme incisivo e comovente, distanciando-se de facilitismos dramáticos e gerando duas ou três sequências de tensão em bruto, apostando num arrepiante realismo pontuado por breves momentos ora bizarros ora poéticos.

Esta aspereza faz de As Tartarugas Também Voam uma obra muitas vezes difícil de suportar, mas é igualmente árduo não reconhecer a sua acutilância, pertinência e genuinidade. De resto, só a excelente direcção dos jovens actores, não-profissionais mas todos com interpretações de invejável espontaneidade (com destaque para Soran Ebrahim, no papel de Parabólica), já seria suficiente para aderir a esta inquietante experiência cinematográfica.

® Gonçalo Sá

3 Comments:

At 11:34 da tarde, Blogger José Varregoso said...

Belo comentário a um filme que tem tanto de realista como de angustiante e de trágico. Este o mundo das tensões de guerra visto pelos olhos de crianças pequenas habituadas, desde cedo, a tomar conta de si próprias. É triste e não é optimista. Às vezes, vai-se ao cinema para esquecer que existem realidades destas. Mas não adianta ignorá-las. O Cinema deve ter também o intuito pedagógico de nos preparar para a contemplação dos lados mais negros da existência humana
Concordo que o filme não cai em facilitismos dramáticos. E penso que é um bom trabalho cinematográfico, além de ser um documento de alguma importância sociológica.
A Guerra é sempre uma estupidez. Aqui vê-mo-la pelos olhos de miudos pequenos (muitos deles estropiados e carregando pesadas armas nas mãos).
O cenário deste filme mostra-nos um ambiente hostil e miserável onde os miudos pequenos têm de aprender a sobreviver. O ataque americano veio alterar esse cenário mas não para melhor. Talvez por isso, o filme seja pouco optimista. Porque sabemos que esse ataque está iminente. Mas que, não trará melhorias para ninguém.
Estas crianças não têm uma verdadeira infância porque ela lhes foi roubada. Pelo dramatismo da situação e pela maldade de alguns oportunistas. Penso, por exemplo, na criança que foi violada e que transporta um bebé que tanto odeia como tenta ignorar que é seu.
Parabéns pelo comentário. Vi este filme há alguns meses mas através das linhas que escreveste, reavivou-se-me perfeitamente a impressão com que fiquei dele.
Um abraço!

 
At 5:35 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Obrigado. Sim, de escapismo o filme tem pouco, é um murro do estômago que não se esquece facilmente por ter muito de real, e por isso mesmo merece ser visto e divulgado.
Bons filmes :)

 
At 7:15 da tarde, Blogger Flávio said...

«Concordo que o filme não cai em facilitismos dramáticos»

Eu achei exactamente o contrário, o filme é tão 'facilitista' que chega quase a ser pornográfico. O realizador estava mais preocupado em explorar as suas personagens e arrancar lágrimas fáceis ao público do que em contar uma boa história.

Achei o filme péssimo e horrível, não é por mostrar crianças da guerra que vou dizer bem dele.

 

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