sexta-feira, abril 20, 2007

Aquele Inverno em Veneza

Título Original:
"Don't Look Now" (1973)

Realização:
Nicolas Roeg

Argumento:
Allan Scott, inspirado no livro de Daphne Du Maurier

Actores:
Julie Christie - Laura Baxter
Donald Sutherland - John Baxter
Hilary Mason - Heather
Clelia Matania - Wendy

Este inquietante filme transporta-nos para um universo angustiante em que os acontecimentos se desenrolam diante dos nossos olhos sem a nossa compreensão das realidades. Mas atenção: ao contrário do que acontece com David Lynch, que cada vez mais filma o irracional e o inconcebível, Nicolas Roeg cede aqui uma resolução para todos os enigmas. Tudo tem uma explicação, todas as peças do «puzzle» se encaixam com engenho e nada é deixado ao acaso.

O argumento genial é inspirado num dos contos insólitos mais brilhantes que já li: Don’t Look Now da romancista inglesa Daphne Du Maurier. É um conto que se lê com fascínio e que justapõe o drama pessoal dos personagens à fatalidade em que se vêem enredados num sombrio Inverno passado em Veneza.

O brilhantismo do realizador Nicolas Roeg está em conseguir transpor o elemento macabro e insólito do conto para um filme que ele constrói com maestria e talento. Respeitando a história original mas concebendo-a como um interessante produto cinematográfico.

Don’t Look Now, título original do filme, é a primeira frase expressa na narrativa de Daphne Du Maurier e também o título do conto. Curiosamente, no filme, nenhum dos personagens profere esta expressão. O Não olhes agora evidencia desde já uma inquietação sobre qualquer coisa, qualquer entidade, qualquer fenómeno que se pode abater sobre nós.

Este é um filme sobre a crença e a falta de fé. Uma história em que fica evidente o quanto é necessário acreditar em qualquer coisa. É um filme sobre a fatalidade do Destino, sobre a necessidade de impedir tragédias que se pressagiam. E é um filme sobre a inoperância do espírito que vê e não acredita.

Donald Sutherland e Julie Christie encarnam um casal fragilizado pela recente morte da sua pequena filha. Sutherland deixa Londres com a esposa e parte para Veneza, onde vai trabalhar no restauro de uma igreja antiga. Eles fogem ao seu drama pessoal e procuram refúgio na cidade italiana. A sua fuga ao ambiente onde decorreu a tragédia pareceria uma solução ideal mas em Veneza eles vão encontrar algo mais de terrível e de inevitável. O perigo, esse não se sabe bem de onde pode vir. Mas a inquietação está presente em quase todas as cenas do filme, às vezes, metamorfoseando-se em medo evidente, outras vezes numa angústia contida mais ou menos indescritível.

O encontro insólito e recorrente com as duas idosas inglesas é determinante. Sendo uma delas cega e declarando-se “médium”. E testemunhando que vê a filha do casal no meio deles. Os olhos da senhora são baços e sinistros. Mas não serão aquelas mulheres particularmente estranhas e suspeitas? Laura (Julie Christie) acredita no que lhe é dito e a possibilidade de a filha estar viva parece deixá-la serena e esperançosa. Mas acreditar numa mentira pode ser uma falsa abertura para a felicidade. John (Donald Sutherland) é ateu, céptico e demove-se de acreditar em tudo o que lhe declaram. Se ele corre perigo, e as premonições existem e fazem sentido, uma tragédia pode estar a abater-se sobre ele.

Roeg consegue recriar o ambiente sinistro de uma Veneza tenebrosa e fria com o recurso sábio a vários instrumentos cinematográficos de valor: uma bela Fotografia que nos mostra as realidades nas suas perspectivas mais estranhas – daí o uso de espelhos, de sombras, de nevoeiros, de máculas e distorções na imagem; depois, um bom trabalho de Montagem que opera impacto emocional mediante a sucessão trabalhada das imagens – tanto nos percursos orientados nos becos de Veneza como até na cena de amor do casal; por fim, a música eficaz (mas não propriamente brilhante) de Pino Donaggio – compositor com quem Brian De Palma trabalharia sucessivas vezes, pouco tempo depois, nos seus filmes de suspense e mistério.

O resultado final é este: um filme que se associa ao estilo inquietante do Roman Polanski de A Semente do Diabo (1968) ou O Inquilino (1976); e que trabalha densamente a recriação da angústia e do suspense mediante ingredientes insólitos e bizarros. Como David Cronenberg ou David Lynch viriam a fazer mais tarde com desenvoltura.

Nicolas Roeg é um autor menos famoso mas tem um estilo pessoal também. Roeg filma, a meu ver, às vezes de forma seca e pouco apelativa mas pega em histórias diversas narrando-as de modo insólito e original. Vejam-se O Homem Que Caiu à Terra (1976) com David Bowie; e Bad Timing (1980) com Theresa Russel e Art Garfunkel.

Don’t Look Now é um belo espécime cinematográfico. Com uma violência subliminar. E rigor na recriação de aspectos aparentemente menores mas muito importantes – como o aspecto visual dos reflexos nas águas ou nos espelhos; ou o aspecto sonoro dos passos e das vozes nos becos escuros de onde só saem ecos e sons cavernosos. Não sendo brilhante, é um bom filme. E visto à segunda vez, tudo parece nele bastante consistente e lógico. Certamente a descobrir e a redescobrir.

® José Varregoso

1 Comments:

At 6:30 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Olá!
Gostaria de entrar em contato com vc.
Seu blog é ótimo.

Favor escreva para nathaliagrun@gmail.com

Obrigada,

Nathália

 

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