domingo, novembro 06, 2005

A Praia

Título Original:
"The Beach" (2000)

Realização:
Danny Boyle

Argumento:
John Hodge, adaptado da obra de Alex Garland

Actores:
Leonardo DiCaprio – Richard
Tilda Swinton – Sal
Virginie Ledoyen – Françoise
Guilhaume Canet – Etienne
Robert Carlyle – Daffy


Desde sempre que não só no cinema, como na literatura, na pintura e nas demais artes, o homem transmite as suas ideias, pensamentos, ideologias/filosofias de vida em relação à liberdade representada num lugar idílico. Lugar esse onde se pode viver longe do sistema materialista em que está assente a nossa sociedade actual, se é que o materialismo não tem estado sempre presente em todas as épocas da História da humanidade…

Neste filme do conhecido realizador de Trainspotting (1996), Richard é o protagonista de uma história de acção, intriga e suspense com o seu q.b. de romance (como não poderia deixar de ser). O jovem norte-americano viaja sozinho pelo mundo em busca de um paraíso perdido algures, onde seria capaz de viver o resto da vida, não hesitando em sacrificá-la pelo prazer que o seu espírito de aventura lhe possa proporcionar. Após 18 horas de avião, Richard chega à exótica Tailândia e desde logo se apaixona pelos locais onde o budismo “inspira” a espiritualidade da vida e pelas tradições que marcam o dia-a-dia dos tailandeses, embora a vida material destes venha a contrastar com essa espiritualidade. O jovem aventureiro é o narrador da história, desvalorizando desde logo o costume (como noutros filmes) de falar sobre si, sobre o sítio de onde veio e até sobre a sua própria família que deixou para trás. Censurando o estilo de vida dos viajantes que percorrem milhares de quilómetros para verem televisão (embora a tenham devidamente “enraizada” em suas casas) e instalarem-se em luxuosos hotéis, o jovem questiona-se sobre o gozo que esse tipo de viagem, que não roça o perigo e a aventura, poderá ter.

Num hotel que deixa muito a desejar em termos de aspecto e comodidade, Richard fica deslumbrado quando casualmente conhece Françoise, uma bela jovem francesa que ocupa o quarto ao lado do seu. O único obstáculo à “passagem” da chama avassaladora da paixão à primeira vista não é certamente a barreira linguística, mas sim Etienne, o namorado dela... Intrigado pelos devaneios de Daffy, também instalado no hotel, Richard trava amizade com ele, acabando por ter acesso ao mapa de uma ilha escondida onde poderia encontrar uma praia de sonho envolta em paisagens paradisíacas. Após a misteriosa morte de Daffy, Richard decide mostrar o mapa ao casal francês para que o acompanhem na jornada (obviamente com segundas intenções em relação à bela francesa). Sem hesitar, Françoise e Etienne deixam o seu espírito de aventura falar mais alto e embarcam com ele numa cansativa e perigosa viagem. Após quase perderem a vida ao chegar à ilha e terem de fugir dum grupo armado de narcotraficantes, os jovens são recebidos por Sal, uma espécie de líder da comunidade – formada por turistas de todo o mundo – que se ali se instalara com a estrita conivência dos bandidos e a promessa de não saírem da ilha a não ser para buscar mantimentos indispensáveis, pois se algum deles revelasse a localização da ilha, a paz acabaria e o local seria transformado numa atracção turística. Os três aventureiros encontram uma comunidade simpática que realiza toda uma série de tarefas com vista à subsistência ou auto-suficiência da comunidade. As deslumbrantes paisagens, as tarefas que permitem uma espécie de regresso do homem a caçador-recolector, como nos primórdios da realidade, a possibilidade de viver plenamente e sem o peso dos compromissos do mundo exterior, contribuem para a integração dos jovens. Mas com o passar do tempo as regras, sentimentos e atitudes humanas como o ciúme, a tentação, o desconforto e a desconfiança começam a contrastar com o paraíso. Tornar-se-á este num inferno?

No início das filmagens a densidade de algumas zonas de filmagem dificultava o decorrer das cenas e terá sido este o motivo pelo qual alguns coqueiros tiveram de ser cortados. Depois da polémica com as autoridades, Danny Boyle conseguiu um acordo para realizar as filmagens de A Praia no belíssimo arquipélago de corais Phi-Phi (sudoeste da Tailândia), onde as águas são cristalinas, areia quase branca e existem muitos coqueiros e outras árvores, formando uma mancha verde pura. O resultado foi um filme em que por vezes as paisagens chamam mais a nossa atenção do que o enredo em si. Lembrando um conhecido reality-show, por vezes a acção perde velocidade e decorre ao ritmo pouco acelerado das tarefas da comunidade.

Marcando o regresso do Dicaprio pós-Titanic, a maturidade deste actor ainda estava um pouco longe da que conhecemos hoje com filmes como O Aviador. Podemos, no entanto, encontrar uma ou outra cena onde o clima de tensão é menor, algumas cenas que pela sua montagem parecem saídas de um jogo de computador, sem falar na banda sonora, em que se destacam os temas de Moby. Tudo isto permite-nos “usufruir” melhor de um filme que tanto nos faz ter a esperança de encontrar um lugar paradisíaco na terra, como nos dá a certeza que a existência de tal lugar é, infelizmente, uma utopia.

® Isabel Fernandes