sábado, novembro 11, 2006

Paris Je T’aime

Título Original:
"Paris, Je T'Aime" (2006)

Realização:
Olivier Assayas & Frédéric Auburtin

Argumento:
Tristan Carné & Emmanuel Benbihy

Actores:
Bruno Podalydès - Driver
Leïla Bekhti - Zarka
Cyril Descours - François
Marianne Faithfull - Marianne


18 histórias, 18 visões, 18 realizadores. E uma cidade-luz que é início, recomeço ou fim de diferentes tipos de amor. Paris dividida em vários mosaicos, autêntico postal multicolor neste filme colectivo.

Sem dúvida um projecto original, este Paris, Je T’aime junta trabalhos tão díspares quanto o tipo de realizadores e os actores nele envolvidos – de Gena Rowland a Elijah Wood, de Nick Nolte a Natalie Portman. Várias gerações, que servem para narrar diferentes formas de amor: homossexual, paternal/maternal…amor acabado, amor surgido, amor incondicional, e sempre em Paris.

Bruno Podalydés é actor e realizador em Montmartre, a primeira das curtas-metragens no primeiro dos bairros parisienses aqui focados. Um motorista irritado e impaciente mas também solitário que sucumbe aos encantos de uma mulher a quem presta os primeiros socorros. E a sua vida ganha cor.

Em Quais de Seine, de Gurinder Chadha, Zarka (Leïla Bakhti) e François (Cyril Descours) dão corpo a uma doce história de amor na puberdade, que une religiões e culturas opostas, num relato que apesar de pouco complexo encanta pela inocência dos personagens e desfecho – seria bom que tudo acabasse assim na guerra entre árabes e ocidentais.

Le Marais traz, como não poderia deixar de ser com Gus Van Sant, um tímido romance homossexual em plena gestação, nascido numa oficina de arte de Paris.
Tuileries, dos originais Ethan e Joel Coen, introduz os primeiros rasgos de humor no ecrã, com o hilariante Steve Buscemi (Armageddon, Romance e Cigarros) a representar um turista americano perdido numa estação de metro, e ainda por cima às voltas com um casal de namorados indeciso e masoquista.

Loin du 16 ème, de Daniela Thomas e Walter Salles, e Place des Victoires, de Nabuhiro Suwa, lançam o tema do amor maternal : no primeiro, Catalina Sandino Moreno (Maria Cheia de Graça) cede à câmara discreta e documental de Walter Salles o papel de uma mãe forçada a separar-se todos os dias do seu filho, enquanto trabalhadora emigrante que vive no subúrbio; já no segundo, interessante e bela paragem na vida de uma mãe (Juliette Binoche) que não consegue aceitar a morte do filho (destaque para o poético momento da entrada de Willem Dafoe, cowboy do além dos sonhos de infância).

Bastille, protagonizado pelos maduros e emocionais Sérgio Castellito (Não Te Movas) e Miranda Richardson (Harry Potter), é uma das mais tocantes histórias a que assistimos neste trabalho conjunto: um amor acabado e refeito, metáfora do ser que, de tanto se comportar como apaixonado, acaba por se apaixonar…até mesmo um marido que já tinha decidido divorciar-se, quando de repente descobre que a esposa chata e cansativa sofre de leucemia em fase terminal. Aqui temos Isabel Coixet em dose tripla de eficácia, realismo e emoção contagiante – sentimentos que também Gérard Depardieu e Frédéric Auburtin nos transmitem por vezes na história de encanto e desencanto já numa fase avançada da vida, Quartier Latin (abrilhantado por Gena Rowland e Bem Cazzara, em reflexão intimista e triste mas esperançosa sobre uma relação acabada).

Falando em desencanto, há também a outra face da moeda: em Tour Eiffel filma-se a inacreditável mas inocentemente romântica história de amor entre dois mimos desprezados por uma sociedade demasiado rezingona; já em Pêre-Lachaise, nome do famoso cemitério parisiense, Wes Craven (Red Eye) aproveita o cenário referido para filmar uma momentânea crise no casamento recente entre Frances e William (Emily Mortimer e Rufus Sewell, respectivamente), união subitamente “abençoada” pelo bonacheirão fantasma do poeta inglês Oscar Wilde (o inesperado Alexander Payne).

Já se falou de amor maternal, mas o paternal não ficou de fora: Nick Nolte (Vincent) e Ludivine Sagnier (Clare) assim o exemplificam em Parc Monceau, a cargo do conhecido Alfonso Cuarón, onde um passeio de cinco minutos (em tempo real) serve para reunir um pai e uma filha separados pela língua e pela geografia.

Chegando a outros géneros, comprova-se a irreverência e criatividade de Paris Je T’aime na totalidade quando surgem presenças como a de Vincenzo Natali – especialista em terror que nos traz um curioso enamoramento entre uma vampira solitária (Olga Kurylenko) e um turista americano (Elijah Wood), relato recheado de sangue mas também de algum humor e surpresa: chama-se Quartier de la Madeleine.

Crime e submundos reais estão em Place des Fêtes (Oliver Schmitz) e Quartier des Enfants Rouges (Olivier Assayas), que mostram a face mais obscura e triste do amor com um caso de amor platónico não concretizado (na primeira curta-metragem), bem como com a paixão de uma actriz toxicodependente (Maggie Gylenhaal) pelo traficante desaparecido (segundo mini-filme).

Maravilha e espanto com a aparição rebuscada de Tom Tykwer: em Faubourg Saint-Denis a mais uma vez brilhante Natalie Portman une-se a Melchior Beslon e, juntos, protagonizam uma obra de arte cinematográfica, senão a obra, deste filme. De facto, e sem desprimor para os anteriores, temos aqui um exemplar a reter – ainda que curto – de montagem, argumento, diálogos e realização, numa junção aprimorada e inspirada e que, acima de tudo, tem o dom de nos surpreender no final.

O último dos momentos de inspiração – mais um – vem com Margo Martindale em 14th Arrondissement, versão reduzida do género tragicómico de Alexander Payne com o melancólico passeio de uma americana por Paris: novamente esta actriz, que já vimos em numerosos trabalhos, consegue fazer-nos rir (a sua pronúncia francesa é catastroficamente cómica) e pôr-nos a pensar, ao estilo tão peculiar de Payne.

Para terminar, momentos menos marcantes vêm com Pigalle, de Richard la Gravenese (Bob Hoskins e Fanny Ardant, actores e apaixonados em animada rota de colisão), projecto um pouco confuso, e Port de Choisy, de Christopher Doyle - que é, em definitivo, o mais descabido destes pequenos filmes, não por não ser original (aqui sai até a ganhar) mas porque de tão imprevisível acaba por se tornar demasiado estranho, com a história improvável de uma oriental enraivecida que de súbito se apaixona perdidamente pelo seu anterior saco de pancada (um pobre vendedor de artigos de cabeleireiro).

Em suma, Paris, Je T’aime fica na memória pelo conjunto de histórias distintas com um elo comum: Tristan Carné e Emmanuel Benbihy merecem, sem dúvida, o reconhecimento pela ideia e conceptualização, bem como todos ou quase todos os envolvidos – uns mais do que outros, logicamente, mas destacando-se no final o facto de cada uma destas histórias singulares trazerem alguma lição ou ensinamento, conseguindo comover-nos. E isto é cinema.

® Andreia Monteiro

1 Comments:

At 3:09 da tarde, Blogger Nia said...

Adorei o filme, e concordo com o facto de a jóia da coroa ser a curta em que Natalie Portman mais uma vez demonstra o seu toque de Midas. O de Gus Van Sant também me agradou especialmente, nem que seja pela abertura e honestidade utópicas de encontro de almas-gémeas ("Acreditas em almas-gémeas?").
Talvez o melhor filme a que assisti em 2006 (não foram muitos mas...).
Saudações
memoriadeelefanta.blogspot.com

 

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