segunda-feira, maio 21, 2007

O Rei Pescador

Título Original:
"The Fisher King" (1991)

Realização:
Terry Gilliam

Argumento:
Richard LaGravenese

Actores:
Jeff Bridges – Jack Lucas
Robin Williams – Parry
Mercedes Ruehl – Anne Napolitano
Amanda Plummer – Lydia Sinclair


Este filme profundamente desconcertante tem tanto de miserabilista como de cómico. Assume vários géneros, adopta várias posturas com o fito claro de nos fazer revelar algo sobre as emoções humanas. Em poucas palavras, traduz uma crítica e uma denúncia à desumanização que se vive nas grandes cidades. E evidencia todos os sinais de que, por muito que a Civilização evolua e os anos passem, o ser humano não parece entender melhor o conceito de Solidariedade.

«O Rei Pescador» é um filme que se passa entre o mundo das normas e o das excentricidades. Entre o universo da sanidade mental e o da loucura. Entre o contexto dos que estão inseridos no sistema social e o dos que lhe são marginais. Algures nessa realidade, está uma Humanidade dividida em sectores e vivendo mediante enormes discrepâncias sociais e contrastes assustadores.

Jack Lucas (Jeff Bridges) é um célebre locutor de rádio que nem sempre profere as palavras mais sábias e prudentes nos seus programas emitidos em directo. Vive num meio onde se sobrevaloriza o impacto do espectáculo; e a ressonância das palavras (às vezes ocas) declaradas com espavento. Vive num contexto onde a imagem física deve ser cuidada e há muita vaidade e ambição. Ele está nas vésperas de aparecer num programa televisivo e deseja vir a ser conhecido não só pela sua voz como também pela sua figura.

O drama de Jack Lucas é semeado na noite em que incita impensadamente um ouvinte deprimido a soltar a sua agressividade e frustração sobre a sociedade. O impensável sucede: o homem, movido por uma loucura incontrolável e como resposta ao desafio do locutor de rádio, entra num restaurante com uma arma e dispara sobre uma série de pessoas, suicidando-se a seguir.

Jack não podia prever que a estupidez das suas palavras iria desencadear uma tragédia de tamanhas proporções. Três anos depois, ele ainda é um homem amargurado com a sua vida e completamente desencantado com o mundo. Por coincidência do Destino, encontra um vagabundo lunático e vem a descobrir que era marido de uma das vítimas mortais do restaurante. Aquele homem, agora auto-intitulado Parry (Robin Williams), que vive como vagabundo no meio do lixo, fôra um distinto professor universitário, dotado de elevada cultura e inteligência. E era um homem profundamente apaixonado pela sua jovem e linda esposa – que vê morrer de forma macabra e traumatizante diante dos seus olhos.

Como poderá Jack compensar o homem pela sua tragédia? Oferecendo-lhe dinheiro? Prestando atenção às suas conversas alucinadas (que fazem menção às Cruzadas, a cavaleiros e ao Santo Graal)? Ou tentando reconstruir-lhe a vida por meio de âncoras emocionais que o agarrem ao mundo real e a uma existência sem medos, nem fantasmas ou alucinações?

Na verdade, «O Rei Pescador» conta a história de dois casais de namorados. Jeff Bridges e Mercedes Ruehl são o par racional, que pensa milimetricamente cada tomada de acção. Bridges está submerso numa depressão imensa e numa quase completa descrença em si próprio e no mundo. A namorada dele fará tudo para o entender e para o ajudar a combater os seus traumas e a sua culpa. Ele não trabalha. Vive à custa dela e do seu negócio num clube de vídeo. Jack não é um marginal como Parry mas deambula pelas ruas como um vagabundo e, a dado momento, vemos uma criança tomá-lo por um Zé-ninguém.

De forma oposta, Parry (Robin Williams) desenvolve um namoro (arranjado e encenado) com a mulher que admira platonicamente: uma excêntrica, desastrada e infeliz funcionária de uma editora livreira. É Lydia (Amanda Plummer), uma mulher que sabe o que é a Solidão, que nunca namorou com ninguém na vida e que só conheceu a rejeição e a indiferença.

«O Rei Pescador» é assim um filme sobre pessoas dos nossos tempos. Com excelentes desempenhos dos quatro actores centrais. Mercedes Ruehl receberia o Óscar para Melhor Actriz Secundária por este papel. E Robin Williams também seria nomeado. Mas Jeff Bridges e Amanda Plummer não são menos notáveis.

Depois, o filme não é só uma obra com um conteúdo humano fundamental. É um produto visualmente cuidado. Terry Gilliam (o realizador dos alucinados «Brasil» e «12 Macacos») convida habitualmente o espectador a embarcar em histórias onde a realidade e a fantasia se misturam. Aqui, neste filme, as alucinações de Robin Williams funcionam como contraponto ao realismo do filme. Repare-se numa cena particular: aquela em que Williams segue Plummer no meio da multidão e toda a realidade parece subvertida – Ouve-se uma música harmoniosa e todas as pessoas parecem dançar numa sintonia de paz e de beleza.

A demanda pelo Santo Graal converte o filme num épico de aventuras. Se Parry está convencido de que a Taça de Cristo repousa na prateleira de um armário de um famoso arquitecto, Jack tudo fará para a conquistar. É uma loucura. Mas aquela taça pode devolver a vida a Parry.

Irreal e alucinado, «O Rei Pescador» é também realista e muito humano. O resultado é coerente. Há equilíbrio nos contrastes. História de busca da Salvação e de procura da Paz, é uma bela película centrada na Nova Iorque de finais do século XX mas cuja mensagem pode ser aplicada universalmente e de modo intemporal. Se a realidade é dolorosa e faz sofrer, a loucura faz sentido como fuga a essa realidade. Por isso, Parry corre pelas ruas numa fuga incessante às suas memórias e a tudo o que o atormenta. Um monstro segue-o, personificando todo o perigo, toda a dor e todo o medo que o perseguem.

Nem pesa muito negativamente que algumas sequências manifestem moldes caricatos (e porventura ridículos). Esta viagem de Terry Gilliam pode parecer desproporcionada na medida em que tanto constrói cenários muito dramáticos como embarca em cenas cómicas ou sarcásticas que convocam o riso do espectador. É desconcertante. Mas o resultado é sólido e não há perdas de orientação.

O filme é original e cativante. Goste-se ou não dele, e questione-se ou não o bom senso e o bom gosto de algumas cenas, é uma obra que faz remexer a consciência do espectador. Face ao cenário da Loucura e da Marginalidade Social. E perante a questão da aceitação das diferenças.

® José Varregoso

2 Comments:

At 3:04 da manhã, Blogger Flávio said...

Gosto do Terry Gilliam, é um artista plástico fabuloso, mas os seus argumentos são um bocado desgarrados.

 
At 1:27 da tarde, Blogger Luís A. said...

Terry Gilliam é um sonhador, e os seus filmes reflectem essa faceta, com personagens torturadas pelos seus sonhos. Apesar de menor na filmografia de Gilliam, Este Fisher King foi o seu maior êxito de bilheteira a par de 12 Monkeys. Abraço

 

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