terça-feira, abril 18, 2006

A Pousada da Jamaica

Título Original:
"Jamaica Inn" (1939)

Realização:
Alfred Hitchcock

Argumento:
Sidney Gilliat & Joan Harrison, baseado no livro homónimo de Daphne Du Maurier

Actores:
Charles Laughton – Sir Humphrey Pengallan
Maureen O’Hara – Mary Yellan
Robert Newton - James 'Jem' Trehearne


De ressaca de filmes antiquíssimos, entre os quais se contam King Kong (1933), O Mundo a seus Pés (1941) e A Pousada da Jamaica (1939), curiosamente foi com este último que as doses de fascínio se mostraram mais à tona. Exactamente, depois de, respectivamente, um bom filme (melhor, mas não muito, que o recente remake), um muito bom filme (como eu queria mais!), foi a hora de uma surpreendente obra-prima. Para não ficar a faltar uma obra-prima absoluta, teria de rever pela enésima vez esse filmalhaço do Chaplin que é A Quimera do Ouro (1925), mas isso é outra história.

E a vida tem destas coisas, isto é, um dos filmes mais esquecidos, maltratados e, agora reconheço eu, injustiçados de Hitchcock, tornou-se o meu favorito do mestre. Nem Vertigo, nem A Janela Indiscreta, nem até a outra obra-prima Psico e muitos outros virtuosos filmes de Sir Alfred se demonstraram à altura de uma experiência n'A Pousada da Jamaica. Por mais estranho que possa continuar a parecer, já com Woody Allen a minha escolha cinéfila recairia n'O Misterioso Assassínio em Manhattan, mas… isso é outra história.

A história que realmente interessa é esta: por volta de 1800, em Cornwall, Grã-Bretanha, um bando de contrabandistas dedica-se a provocar naufrágios nas acidentadas costas marítimas do referido condado, levando a sua acção até às últimas consequências de modo a que o saque dos navios seja consumado. O “quartel-general” do bando é a “Pousada da Jamaica” do título, gerida pelo casal Joss e Patience Merlyn, sendo que o primeiro é o líder dos criminosos. Mas ainda há o cérebro do grupo, que é o verdadeiro líder, apresentando-se discreto nesse aspecto, mas mesmo só nesse, dando pelo nome de Sir Humphrey Pengallan, o corrupto juiz local. Certa noite, Joss e Patience recebem a visita da sua sobrinha irlandesa Mary Yellan, órfã recente, daí que esta tenha planos para passar a viver com os tios. Mas o que a sua vinda irá despoletar é que ninguém estava à espera…

Último filme britânico de Hitchcock antes deste rumar para os Estados Unidos, e um dos únicos em que não realizou o seu habitual e famigerado cameo, A Pousada da Jamaica é uma surpreendente obra que não merece de modo algum o desprezo de muitos, justificado por uma infeliz atenção restrita às obras principais do mestre. Película de 1939, ano em que os filmes passaram a ser filmados também a cores, esta é uma obra que só ganha em não ter aderido à moda. Tem um preto-e-branco apaixonante, sendo que a fotografia, não sendo das mais depuradas, contém uma saudável “sujidadezinha” que emana na perfeição aquela antiquadamente sedutora pureza dos filmes antigos consideravelmente estilizados. E que estilo tem Hitchcock! Aproveita com uma perícia insuperável o céu, os navios, a utilização de close-ups, o mar, os cenários naturais exteriores e até a própria indumentária dos actores para projectar planos de um deslumbramento visual arrebatador. É sim um filme de cenas marcantes, mas acima de tudo, é um filme de sentimento estético marcante.

E não há aqui teatralismos exacerbados por parte dos fabulosos actores. Charles Laughton dá um autêntico show interpretativo como Sir Humphrey Pengallan, um corrupto juiz com um egocentrismo destacável mas com uma classe assombrosa, qualidade vigente na performance de Laughton. É no fundo um magnífico, imponente e requintado vilão que só deixa boas recordações. Já Maureen O’Hara, uma das mais belas actrizes do cinema clássico, tendo sido descoberta por Laughton, faz aqui a sua estreia ao encarnar a protagonista feminina Mary Yellan, e fá-lo em grande, demonstrando um carácter bem forte e um empenho não menos sentido. Compreende-se perfeitamente ter-se tornado numa das actrizes-fetiche de John Ford, em filmes como o belíssimo O Vale era Verde, mas é neste A Pousada da Jamaica que intervém exemplarmente num bom par de cenas de puro fascínio superiormente filmadas. Quanto à cena final do filme, que obviamente não irei revelar, e que poderá parecer algo estranha a alguns, não prima por uma surpresa estonteante, mas sim por uma afinadíssima inteligência que proporciona um adequamento superior à obra.

Obra essa que está a pedir desesperadamente por um remake, mas atenção, que este é um filme que só merece ser honrado!

® Artur Almeida

6 Comments:

At 7:38 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Parabens pela crítica, não só pela opinião, a meu ver bem fundamentada, mas sobretudo pela escolha do filme. Sendo uma das obras menos conhecidas e talvez menos valorizadas do mestre, gostei de alguem ter pegado nela. Na minha opinião, deixa algo a desejar a nível do desenvolvimento do argumento, o melhor do filme está sem dúvida no aspecto estético e visual. De qualquer forma, o teu texto deixou-me com vontade de o rever de novo eheh

Abraços e bons filmes
André

 
At 11:17 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Pois é, André, 1 filme que caiu tanto no esquecimento pode bem ser alvo de um tremendo savoir-faire. Sim, o argumento a espaços está longe de ser o melhor do filme, embora eu acho que se safou muito bem, mas quando ele abarca o Laughton então temos autêntico show! A estética, sim, é que é de um fascínio arrebatador(há cada plano!). Vê lá se revês o filme logo que puderes- eu tenciono fazê-lo várias vezes ao longo da minha vida:)

Obrigado e um grande abraço

P.S. a todos: descubram este filme!:)

 
At 11:36 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Os planos marcantes são marca do grande mestre eheh

vou rever o filme, sim, assim que puder. Consegui arranjar o dvd, numa edição que saiu há uns tempos.

Abraço...e vê lá ai mais umas criticas aos filmes do hitchcok!

bons filmes

 
At 3:52 da tarde, Blogger gonn1000 said...

Não vi o filme, mas gostei da crítica. É bom ver alguém escrever de forma tão entusiasmada.

 
At 10:27 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Bem, Gonçalo, o filme "obriga" ao entusiasmo:) Foi cá 1 experiência marcante...

Obrigado e vê lá se o descobres

 
At 2:01 da manhã, Anonymous Anónimo said...

excelente critica,parabens! A transmontana

 

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