sexta-feira, julho 29, 2005

Cinema Neo-Realista - Parte III

Título Original:
"La Terra Trema: Episodio Del Mare" (1948)

Realização:
Luchino Visconti

Argumento:
Antonio Pietrangeli

Actores:
Maria Micale - La Madre
Sebastiano Valastro – Il Padre
Antonino Micale - Vanni


É defendido que tudo tem um fim e assim aconteceu com o movimento neo-realista. A contribuir para a queda do neo-realismo autores como Fellini ou Antonioni entre outros começaram a direccionar seus filmes num sentido que quebrava as barreiras neo-realistas: começaria então o pós neo-realismo. O que agora sobrava do neo-realismo eram as documentações feitas por André Bazin por exemplo, grande teorizador do cinema que abordou intensamente o movimento e filmes, filmes belos, intemporais que possuíam temas que se encontravam gastos e desactuais, daí a eventual perda de interesse dos espectadores ( o já referido ponto negativo que trouxe a inicial imediata identificação com os temas que eram apresentados): a fome e miséria tornaram-se temas desgastados, a resistência e a libertação tornou-se algo do passado. Claro que, a chegada do fim obriga a reflexões acerca do que foi o movimento e o que trouxe de bom e mau.


O facto de usar-se técnicas cinemáticas diferente das que até agora se tinham usado apenas trouxe vantagens. Abriu novos horizontes e permitiu aos cineastas aprenderem que com orçamentos reduzidos e muito amor ao que se fazia era possível atingir milagres, fazer bom cinema. É de ressalvar que os cineastas italianos desta altura não tinham grandes meios. Havia falta de fita virgem, não havia dinheiro para contratar actores famosos, os meios eram pobres mas, a verdade é que até os estúdios de Hollywood aprenderam algumas coisas com este movimento, como por exemplo o aproveitamento de cenários naturais que na altura não era usado: o estúdio era o local sagrado de filmagens. Por outro lado, há a obrigação de reflectir sobre o que o cinema neo-realista defendia e, até que ponto os objectivos deste foram atingidos. Na sua grande maioria, este movimento atingiu grande parte dos seus intuitos, criaram filmes realistas, dentro dos possíveis, contribuíram para o enriquecimento da linguagem cinematográfica, ou seja verificou-se o act du parole que veio a tornar-se act du langue, criou filmes que são ainda hoje considerados clássicos e extraordinários sem esquecer que a partir deste movimento, muitos dos realizadores que aqui começaram a dar os seus primeiros passos acabaram por tornar-se grandes figuras emblemáticas do cinema: Fellini, Visconti...

O único ponto no movimento que na minha opinião falha é no fundo o cerne deste: a tentativa de aproximar ao máximo a realidade da ficção. Penso que defender esta minha teoria é subjectivo mas acima de tudo é a opinião pessoal de cada um que está por detrás de todas as teorias apresentadas num campo como o do cinema, logo, tudo é subjectivo. Num universo tão pessoal como este, qualquer um que apresente uma teoria está automaticamente sujeito a ser refutado, principalmente se analisa a obra de outrém. No fundo, o que tento explicar é que o cinema nunca poderá ser uma realidade, ou seja, ao escolherem um veículo como o cinema, nomeadamente o filme, qualquer autor está a afastar-se de uma representação verídica e realista do que se passa à nossa volta, aquilo que definimos como realidade, a nossa realidade. Este é outro ponto que é necessário ter em conta, cada pessoa percepciona a realidade à sua maneira, logo, por muito neutro que o realizador neo-realista tente ser e evite intervir no filme, será sempre a sua representação de realidade que é apresentada e nunca uma realidade dita neutra que é analisada e vista pelo espectador conforme acontece no dia a dia. Neste aspecto o movimento sofre, na minha opinião, de uma rigidez e extremidade imensa e que é impossível de atingir. Claro que esta minha opinião não denegride ou tira algum do valor que este movimento tem para a história do cinema, muito pelo contrário. Penso ser de valorizar tal iniciativa, tão nova, nobre e difícil, senão impossível.

O mundo está em constante evolução e só assim consegue-se avançar e atingir pontos cada vez mais altos e valorizados. No cinema nem sempre tal tem acontecido e hoje em dia assiste-se a uma infeliz estagnação deste meio. Talvez o que esteja em falta nos dias que correm é a uma maior valorização de tudo o que temos à nossa disposição, que pensámos que é tão nosso que nem lhe damos o devido valor. A vida é cada vez mais facilitada e conceitos como o engenho humano, a imaginação já pouco ou nada dizem a ninguém. Movimentos como o neo-realista são um óptimo meio de perceber como é que em condições precárias, no meio de fome, desilusão, pobreza e terror foi possível nascer algo que tem o valor que hoje em dia ainda tem; algo que conseguiu inspirar gerações que posteriormente vieram.

O maior trunfo do neo-realismo e razão pela qual ainda hoje se mantém actual na minha opinião é a questão que veio colocar quando cuidadosamente analisado e, que ainda hoje perdura: qual a barreira que separa realidade de ficção, o real do ilusório. Afinal de contas, quem pode afirmar que o que temos dado como real é realmente real?


® Bruno Sá

1 Comments:

At 4:22 da manhã, Blogger Gustavo H.R. said...

Saudações.
Seu último questionamento é pesado... Cabe ao cinema ajudar a respondê-lo. Brilhante dissertação.

 

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