A Severa
Título Original: “A Severa” (1931) Realização: Leitão de Barros Argumento: Leitão de Barros, baseado na obra homónima de Júlio Dantas Actores: Dina Teresa – Severa António Luís Lopes – D. João, Conde de Marialva Ribeiro Lopes – Custódia Maria Sampaio – Marquesa de Seide |
E que belíssima estreia teve o cinema português no capítulo do sonoro! Recentemente restaurado pela Cinemateca Portuguesa, o primeiro fonofilme português é provavelmente um dos seus melhores e é já um dos meus preferidos. Dá pelo nome de A Severa e é uma surpresa mais que agradável, sendo também que estava longe de esperar um mau filme. Talvez seja de boas experiências com títulos como A Canção de Lisboa, O Pátio das Cantigas e afins, mas A Severa não fica nada atrás dos mesmos…
Já antes da grande Amália Rodrigues, havia quem encantava com o fado: Maria Severa. E se a primeira é a diva desse tão triste e belo património artístico português, a segunda é considerada a sua fundadora. A sua mítica existência levou a que o conceituado autor Júlio Dantas escrevesse um romance sobre a sua vida, não antes sem este ter adaptado a história para o teatro, acabando posteriormente por se transformar neste admirável espécime cinematográfico dos anos de ouro do cinema português.
Esta é uma história fascinante onde pairam sentidamente os costumes populares e a sociedade de 1848. Severa, a mesma do título, é a cigana fadista que conquista todos com a sua calorosa e sofrida voz, incluindo os salões da nobreza. Enquanto isso, ainda tem tempo para se enamorar do jovem cavaleiro e fidalgo D. João, o Conde de Marialva, amor correspondido, e que também será posto em causa.
Rotulado como o mais português dos filmes portugueses, A Severa demonstra intensamente a sensibilidade estética do seu realizador Leitão de Barros, artista plástico de formação. A sua realização é um primor, dotada de uma subtileza francamente apurada para a época, encontrando-se uma atenção muito cuidada com o enquadramento dos planos. E é essa subtileza que, tão bem trabalhada, quer através do pausar de certas cenas, quer através do uso certeiro de close-ups, quer através de uma delicadeza madura com os pormenores, permite granjear uma sentida humanidade aos personagens, dos mais proeminentes aos mais fugazes ou insignificantes para o desenrolar da história, de maneira a que descubramos e sintamos a alma portuguesa que percorre apaixonadamente todo o filme. Há muito dela mesmo.
Sendo o primeiro filme sonoro português, A Severa não deixa de beber consideravelmente dos mudos, ou a sublime e acertada banda sonora não fosse constante e não houvesse períodos consideráveis desprovidos de diálogos. Logo nos longos e silenciosos momentos iniciais do filme é isso que se nota, momentos esses dos mais agradáveis e competentes, detentores de uma aura rural distinta, fascinante e muito humana. É por isso que aqui o que conta mais é a ambiência plástica com que Leitão de Barros cobre um Ribatejo de contrastes, onde as gentes da miséria têm o seu encanto e onde há vida nos seus rostos doridos. Mas também há espaço para o quebrar do tom dramático do filme, especialmente quando entra em cena o seu arsenal folclórico, onde são encontradas marcantes canções da cultura popular portuguesa. Sendo apreciador de fado, embora esteja longe de ser a minha onda preferida, os melhores momentos musicais (que, se calhar, não são tão abundantes como alguns poderão pensar) estão naturalmente entregues a Severa, fadista de elevado sentimento, pois não são todos que conseguem resistir a versos como: “Tenho o destino marcado desde a hora que te vi. Ó meu cigano adorado, viver abraçado ao fado, morrer abraçada a ti."
Quase apetece chamar-lhe obra-prima…
® Artur Almeida
2 Comments:
HUm..so vi umas imagens do filme, numa formação, mas depois de ler
esta crítica, a vontade de o ver aumentou eheh
abraço, André
E deve muito ser visto, não só(ou não tanto) pela sua marca histórica, mas também pela sua surpreendente qualidade.
1 abraço
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