Madame Satã
Título Original: "Madame Satã" (2002) Realização: Karim Aïnouz Argumento: Karim Aïnouz Actores: Lázaro Ramos - João Francisco dos Santos/Madame Satã Marcélia Cartaxo - Laurita Flávio Bauraqui - Tabu Felippe Marques - Renatinho |
Numa altura em que o western gay de Ang Lee domina todas as atenções cinematográficas e abre o debate sobre a homossexualidade, o filme Madame Satã de 2002, aborda igualmente o tema, personificado na história verídica de João Francisco dos Santos, homossexual convicto e criador do drag queen Madame Satã.
João Francisco dos Santos vive numa pensão decadente, com a sua “esposa” – a prostituta Laurita e a sua filha adoptiva; e tabu, um prostituto frágil. Vive sobretudo dos contactos com o sub mundo da região, sendo uma pessoa respeitada quando caminha pelas ruas mal iluminadas e mal frequentadas do bairro. Trabalha no Cabaret LUX, onde sonha estar um dia no lugar de Vitória dos Anjos (a estrela que canta temas de Josephine Baker). Ele próprio sonha ser uma estrela. No entanto, não é fácil singrar num mundo de pobreza extrema e dificuldades agrestes e o seu temperamento quente, leva-o à prisão por mais do que uma vez…
Com uma vida tão rica em intrigas e dificuldades como a de João Francisco dos Santos, era impensável não a transformar em filme. Foi o que fez o realizador Karim Ainouz em 2002 ao tentar contar esta fabulosa história de crença num sonho e ultrapassar as dificuldades. E não o podia ter feito melhor no que toca à escolha do actor para desempenhar o papel principal. Parabéns ao casting de Lázaro Ramos que cria na perfeição um personagem tão complexo, malandro, artista, presidiário, pai adoptivo, negro, pobre, homossexual e em última análise, drag queen, e o faz de forma memorável. Brilhante performance do jovem actor.
A realização de Karim Ainouz é dinâmica e cheia de cor e música carioca para ritmar a narrativa. No entanto, nem tudo são pontos positivos a atribuir à película. A nível de montagem e dos diálogos fica um pouco a desejar tornando-se um pouco confuso e apressado principalmente na parte final do filme. Os personagens (à excepção de João dos Santos), também são pouco explorados pelo cineasta.
O grande problema do filme e que suscitou alguma controvérsia, principalmente no Brasil, é o de o realizador incidir a sua câmara na vida de João dos Santos, ignorando quase por completo o que realmente o tornou célebre: Madame Satã, o lendário personagem da boémia carioca. Em vez disso, Karim Anouiz limita-se a mostrar o homem por detrás do mito e nem sempre o consegue fazer da melhor forma.
Era importante mostrar o outro lado: o lado do homem activista e pioneiro dos anos 30 que com a sua autoconfiança, arrogância e espírito empreendedor foi um dos primeiros defensores da comunidade gay e um dos mais excêntricos artistas cariocas que só encontrava alívio quando actuava ao vivo na pele de Madame Satã, o rei da boémia brasileira dos anos 30.
Ainda assim, Madame Satã, consegue ser uma proposta bastante aceitável vinda do Brasil e vale a pena visualizá-lo, nem que seja pela viagem nostálgica aos anos 30 cariocas e pela soberba composição de personagem de Lázaro Ramos.
® Sérgio Lopes
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