Nell
Título Original: "Nell" (1994) Realização: Michael Apted Argumento: William Nicholson & Mark Handley Actores: Jodie Foster - Nell Kellty Liam Neeson - Dr. Jerome Lovell Natasha Richardson - Dr. Paula Olsen |
No meio de uma floresta norte-americana, uma idosa eremita é encontrada morta dentro da sua casa, vítima do ciclo natural da vida. Contacto pela polícia local sobre esta morte, o Dr. Jerome Lovell dirigi-se à isolada habitação para levantar o corpo e tratar das burocracias que isso exige. Porém, ao analisar melhor a habitação, o médico acaba por encontrar a “selvagem” Nell – uma mulher dos seus trinta anos que nunca contactou com o mundo exterior e que possui um incompreensível vocabulário próprio, herdado da sua falecida mãe (vítima de paralisias faciais). Espantado com aquela descoberta, Dr Jerome Lovell entra em contacto com a psicóloga Paula Olsen, de maneira a que esta o possa ajudar quanto ao agora incógnito futuro de Nell. Contudo, os dois médicos entram em conflito de ideologias, sendo por isso “obrigados” a conviverem durante três meses com o seu objecto de estudo para que possam escolher o melhor para ela. A partir daí, fortes laços de afecto vão nascendo entre aquelas três pessoas à medida que se começam a compreender uns aos outros, no meio da natureza, longe da civilização.
É através desta premissa do "descobrimento de uma mulher-selvagem” que toda a acção de Nell se desenvolve. Desde o primeiro e apavorante contacto entre a protagonista e Dr. Jerome Lovell, até aos problemas resultantes da sua descoberta junto da vila, dos media e da classe médica, o filme aborda (quase) todas as problemáticas que podem derivar deste tipo de tema, ainda que tudo isso seja mostrado de um modo poético e, algumas vezes, pouco credível. O excesso de traumas que afecta as personagens principais e secundárias, por exemplo, pode servir como alegoria para mostrar que cada uma delas, assim como Nell, está “deslocada” da civilização por algum motivo. Porém, isso acaba por se revelar um dos vários impasses do realismo do filme, a par de aspectos como a não-tão-selvagem personalidade de Nell, o estilo de vida semi-moderno que esta no fundo leva, e a necessidade de um par amoroso e de um happy end numa película que funcionaria bem sem esses clichés.
Nell revela-se, ainda assim, um filme que consegue cativar o espectador por aquilo que realmente é. A excelente realização de Michael Apted consegue transmitir a verdadeira essência da história, tanto pelos belíssimos planos filmados na floresta que serve de suporte ao carácter solitário dos protagonistas, como pela forma literária como o ser humano é ali despido de estereótipos e reduzido às suas fragilidades e instintos mais básicos, como o medo, a solidão e o desejo de aprender.
A nível de representação, o elenco (de luxo) tem aqui algumas das suas melhores interpretações de sempre. Jodie Foster, no papel da protagonista, conseguiu com este filme um dos mais complexos desempenhos de toda a sua carreira. A personagem, isente de gestos e atitudes citadinas, age como um ser humano fechado e desconhecedor de qualquer tipo de convivência com o que lhe é alheio. Gritos, sustos e olhares vazios são uma constante ao longo do filme, assim como a linguagem desordenada e incompreensível com a qual a personagem se expressa com as outras pessoas. Através destas peculiares características, Jodie Foster conseguiu dar vida a uma Nell que tem tanto de selvagem como de pura e carismática (o que acabou por lhe render uma nomeação para o Óscar de Melhor Actriz Principal, em 1994).
Liam Neeson e Natasha Richardson, os outros dois protagonistas, também têm boas interpretações ao longo do filme. Apesar dos médicos serem meros alicerces para a história e desenvolvimento da personagem de Jodie Foster, os dois actores conseguem faze-los sobressair o suficiente para que estes “existam” para além da sombra de Nell. Especialmente Liam Neeson, que deu vida ao sensível e carinhoso Dr. Jerome Lovell de um modo extremamente humano.
Em suma, Nell é uma obra que triunfa na maior parte dos aspectos que a constituem. O filme pode não apresentar nada de novo a nível cinematográfico, mas a história é interessante, a realização está bem conseguida e o elenco tem actuações muito consistentes, o que em conjunto permite fazer desta película algo a apreciar - caso tenha-se essa oportunidade.
® Fábio Guerreiro
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