Casablanca
Título Original: "Casablanca" (1942) Realização: Michael Curtiz Argumento: Julius J. Epstein, Philip G. Epstein & Howard Koch Actores: Humphrey Bogart – Rick Blaine Ingrid Bergman – Ilsa Paul Henreid – Victor Laszlo |
São mesmo oito estrelas, estão a ver bem. Espero que isso não me custe insultos – estou a brincar. Poderei ainda acrescentar que não sou dos cinéfilos mais exigentes em termos de classificação, sendo que também não me acho um “mãos largas” incoerente. Posso até estar a dar a impressão que quero desancar no filme em questão, a querer denegri-lo do constante valor jurássico que lhe atribuem, quando na verdade simpatizei muito com a película. Ora, aqui está um bom exemplo sobre como não há verdades absolutas no cinema, de como não existem regras cinéfilas que permitam o endeusamento cego de certos títulos ditos incontornáveis. Para todos os efeitos, Casablanca não deixa de ser um filme, com tudo de redutor que possa estar anexado a um certo sentimento de invulnerabilidade, que bem lá no fundo, nenhum título possui e jamais possuirá.
Durante a Segunda Guerra Mundial, com uma Europa muito insegura, são muitos os naturais do “Velho Continente” que, tão esperançosa como desesperadamente almejam embarcar para a liberdade que a América oferece, sendo Lisboa o ponto de embarque. Mas nem todos conseguiam ir para Lisboa directamente. Muitos eram os que, após muito trajecto europeu, iam dar a Casablanca, na Marrocos francesa, onde os afortunados, fosse por dinheiro, influência ou sorte podiam obter vistos para a capital portuguesa e daí para “O Novo Mundo”. Os outros esperavam e esperavam, a ver o que o destino lhes reservava. No meio deste frémito todo, em plena Casablanca, encontra-se o americano Rick Blaine – carismático Humphrey Bogart –, dono do mais famoso bar da cidade. E é no seu bar que irá encontrar Victor Laszlo – Paul Henreid, no seu momento de glória –, líder da Resistência Checa que dependerá de Rick para abandonar Casablanca e prosseguir a sua luta. Mas, principalmente, quem Rick irá encontrar será Ilsa – belíssima Ingrid Bergman, ainda mais que a sua filha Isabella Rossellini em tempos recentes –, sua ex-amante que lhe destroçou o coração e que agora é companheira de Laszlo. As conturbadas relações que unirão os três serão ponto de foco, mas será o tumultuoso relacionamento entre Rick e Ilsa que irá imperar, justificando assim Casablanca como o mais querido drama romântico que o cinema já deu à luz.
Antes de mais, há que salientar que é muito difícil não gostar de Casablanca. Por outro lado, custa elevá-lo à categoria com que é sempre pintado. Não é dos filmes que envelheceu pior, mas é um claro acusador de falta de ambiente introspectivo. Chegamos a tornar-nos cúmplices da história, é verdade, mas algo secundários, visto que as ambiências demonstrativas de ambição de profundidade são ilustrativas de uma falta de nervo que, admitamos, é melhor tratada em tempos contemporâneos, onde a teatralização das interpretações está obsoleta e onde o âmago das obras é mais facilmente captado. Exemplo clamoroso é a comparação entre duas obras que têm as suas visíveis semelhanças: este Casablanca, e O Paciente Inglês. Dois belíssimos pedaços de cinema vencedores do Óscar de Melhor Filme, ambos passados durante a Segunda Guerra Mundial no Norte de África, tendo esta como pano de fundo, ambos dramas românticos, ambos dois hinos emblemáticos ao amor. Mas um é isto tudo mais que o outro e não me custa absolutamente nada apontá-lo como sendo o filme mais recente. Terá Casablanca melhor argumento que O Paciente Inglês? Não creio, a surpreendente dimensão humana do último deve muito ao argumento. Terá melhor banda sonora? Ah, pois, tem o tal As Time Goes By que deve dar cabo de qualquer tema, mas a verdade é que Gabriel Yared nunca esteve tão inspirado como em 1996, altura em que percebemos que é mesmo, mesmo verdade que a música e o cinema são duas artes que se complementam e são capazes de, mutuamente, intensificar e facilitar a percepção e a reacção emocional. Terá Casablanca maior impacto dramático? Bem, basta lembrarmo-nos de ver Ralph Fiennes a chorar, com Kristin Scott Thomas nos braços enquanto que a orgásmica banda sonora explode completamente e estamos conversados, embora não se esconda que os momentos finais de Casablanca ultrapassam largamente a competência, sendo de facto memoráveis. O grande trunfo de Casablanca é talvez o seu contexto histórico e sócio-político. Numa altura tão aflitiva, Casablanca impôs-se como um alento fulcral, como a via demonstrativa de que nunca há apenas o Mal, mesmo quando este é rei absoluto.
Espero que não vejam esta minha situação como uma oportunidade para desancar no belíssimo filme que é Casablanca, nem para que sirva de mera comparação a um dos filmes da minha vida, admito, não querendo provar a ninguém que um é melhor que o outro ou que o cinema contemporâneo é mais competente que o antigo. Mas, segundo a minha percepção, o que vi foi que Casablanca tem um excelente romantismo cínico, tem uma coolness superior de Bogart, uma doçura cândida de Bergman, cenas de antologia, a música do piano, mas, para a liga a que o atiram a todo o momento – luta constante para o melhor filme de todo o sempre – é um exagero populista. Mas do qual gosto imenso.
® Artur Almeida
6 Comments:
Bom, entre "O Paciente Inglês" e o "Casablanca" posso dizer que prefria ver o "Casablanca" 50x por cada uma que tivesse que ver "O Paciente Inglês".
Bogart é Bogart e o par com Bergman inigualável. Personagens secundárias fabulosas, diálogos míticos (se bem que o "play it again Sam" nunca é dito nestas palavras, mas aí está o poder do filme) e um final que quebrava com as regras de Hollywood, vindo a ser importantíssimo para o cinema moderno.
Quanto a "O Paciente Inglês" não sou nada fã. Filme pastelão a mandar-se a Oscar (conseguido). Fiennes e Binoche salvam-se, mas a meio já só queremos que acabe.
Mas isso sou eu...
"O Paciente Inglês" é um filme que agrada aos Óscares, é verdade, e eu até sou anti-Oscar, mas no meu entender possui uma notável integridade artística que se afasta e bem do sentido da vida do Ron Howard.
Mas, claro está, isto sou eu...
Um clássico. Aquele final é lindo :') lol!
Cumps.
Pois é, é um dos melhores momentos deste belíssimo clássico e um dos mais míticos da história do cinema:)
Cumps
"Casablanca" vale por si e sendo um clássico, não se torna menos vulnerável como filme, mas o tal epíteto de clássico dá-lhe uma dimensão certa dos seus muitos méritos(opinião pessoal). Um deles não é ser clássico. Clássico é uma designação honrosa... em muito pelos seus méritos. Um filme não consegue estar "protegido" pelo título de clássico- aquando do visionamento é que os dados estão lançados.
Conheço o filme de Hawks, mas ainda não o vi.
E o close up do rosto em lágrimas da Ingrid Bergman ao som da "As time goes by "?
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