quinta-feira, setembro 08, 2005

O Rapaz do Trapézio Voador

Título Original:
"O Rapaz do Trapézio Voador" (2002)

Realização:
Fernando Matos Silva

Argumento:
Fernando Matos Silva & Isabel Barreno

Actores:
José Airosa – Adriano
Micaela Cardoso – Lisete
Adriano Luz – José Lopes


Ainda me lembro – muito bem, diga-se – de quando O Rapaz do Trapézio Voador era publicitado na televisão estatal. Confesso que a dita pequena amostra publicitária figura nas minhas preferidas de sempre a qualquer obra cinematográfica. Daí que sentia claro fascínio quando a apanhava na televisão. Música minimalista e encantadora aquando da aproximação à praça por parte da população da aldeia alentejana focada no filme, para ver o rapaz do trapézio voador enforcado, obra sua. “Parece um Cristo” dizia uma aldeã de meia-idade igual a tantas outras de natureza rural semelhante – fé sempre à vista, no matter what. Dado o referido fascínio que amealhei dos poucos segundos que se podia ver do filme aquando da sua passagem publicitária na televisão, esta era claramente uma obra – e isto acontece a todos – que o meu âmago pessoal queria badly criar empatia emocional – costumam ser estas as que são alvo de uma elevação pessoal visto a nossa diferença criada com um filme ser também matéria de sentimentos puramente idiossincráticos e não só da qualidade a que não conseguimos fugir, patente na obra.

Esta é a triste história de Adriano, o rapaz do trapézio voador (José Airosa, protagonista do recente A Cara que Mereces). Imerso num Alentejo amorfo e insosso, onde a prática do suicídio é rainha em Portugal, Adriano, com toda a bagagem problemática familiar e a eminência da sua aldeia se transformar numa ilha dada a barragem que se avizinha, opta assim por acabar com a vida no dia em que a aldeia ia entrar em festa. O trapézio voador, elemento óbvio para as festividades, aliado a um cinto, serve-lhe para se entregar ao mistério do “depois disto…”.
O Rapaz do Trapézio Voador também é a história de um inadaptado – há aqui ecos de James Dean, salvaguardadas as respectivas diferenças –, de alguém demasiado avançado/desadequado para o lugar onde foi nascer – “Ele ao menos sabia coisas, falava da vida”, palavras do personagem José Lopes (Adriano Luz), patrão de Adriano no café da terra, onde o jovem trabalhava.
Os aldeãos, perante tal tragédia, reúnem-se na praça onde Adriano “flutua”, à espera que a ocorrência seja resolvida – a sua resolução parece demorar uma eternidade, chegando os habitantes de Vila Estrela a contrabalançar a importância da resolução do caso do cadáver com a importância e respeito que um morto merece. Isto tudo à medida que somos presenteados com diversos momentos passados da problemática existência de Adriano.

De entre todos os que analisam o estado crítico do cinema português, seja dizendo que falta claramente qualidade a este ou que falta abrangência ao público, alguns defendem a qualidade das histórias. Se bem que, tal como os seus demais aspectos, a história de um filme é analisada subjectivamente, devo dizer que achei interessantíssima e saudavelmente pertinente a história deste O Rapaz do Trapézio Voador. Abordar a problemática do suicídio no Alentejo, funcione ou não, é serviço público. E olhem que até funciona. Este episódio cinematográfico terrivelmente rural, parcialmente devedor do imaginário feérico, consegue sobressair bem para lá do simplismo televisivo de que muitos dos seus actores não conseguem escapar. E o desempenho destes é competente, diga-se, mas sem ultrapassar isso, saliente-se. Por entre lances onde contrastam a agonia familiar e existencial de Adriano e momentos onde abundam cumplicidade e romantismo com Lisete (a professora da aldeia), há aqui um poder introspectivo de saliência a roçar o decepcionante e a beijar o francamente aceitável. Portanto, as ambiências dramáticas criadas a partir da desconcertante e vilipendiada postura sentimental de Adriano onde a dualidade maniqueísta das suas emoções emerge, são vítimas de uma profundidade algo infectada mas longe de pretensiosismos descabidos. O sentimento de um povo também é mostrado, onde a sua ambiguidade crua de acções comportamentais a resgatar crueldade e altruísmo são desarmadas. Os seus condenáveis maneirismos de humanidade são focados a partir dos tão típicos incidentes rurais que servem para alimentar o que de conflituoso possui a alma alentejana. Mas ainda há espaço para a beleza, para a recuperação do contemplar dos sentimentos saudosos e lugar para uma sentida e poética cena final. A descobrir.

® Artur Almeida