Histórias de Nova Iorque
Título Original: |
Três em um. Pegar ou largar. Eu peguei… nesta obra composta por três médias-metragens com o propósito de homenagear a mítica cidade que não dorme, aquela metrópole rainha do cosmopolitismo onde passa-se sempre algo de relevante: Nova Iorque. Confesso que não sei como surgiu este projecto, mas quem melhor que os pesos pesadíssimos Scorsese, Coppola e Allen para tentar transformar as suas contribuições fílmicas num elogio ao amor à “big apple”. O trio maravilha cresceu lá – Coppola foi o único a nascer fora, Detroit – e já a tinham filmado como ninguém. Só alguns exemplos: Scorsese com Taxi Driver, Coppola com O Padrinho e Allen com praticamente todos os seus filmes, indubitavelmente o rei da “cena cinematográfica” nova-iorquina. Quanto aos segmentos de cada um neste filme a três mãos, Scorsese abriu com “Lições de Vida”, Coppola aumentou a metragem com “A Vida sem Zoe” e Allen terminou-a com “Náufragos de Édipo”.
Lições de Vida
Ao som de música altíssima, com destaque para Procol Harum com a sua emblemática
“Whiter Shade of Pale” e também Bob Dylan com “Like a Rolling Stone” – a versão mais barulhenta – Lionel Dobie faz da sua vida a pintura e diga-se que com grande admiração e reconhecimento por parte dos muitos que se interessam pela sua arte, inserida na corrente abstracta. No dia em que vai buscar Paulette, a sua jovem, bonita e insegura assistente ao aeroporto, que aspira a ser pintora e com a qual mantinha a sua vida sexual activa, apercebe-se da falta que esta lhe faz quando lhe dá a entender que não voltará para ele. Dobie, apesar da robustez saudável, já leva com quatro casamentos às costas e a atracção que sente por Paulette aliada à falta de vida social obriga-o a usar de uma insistência prudente que a faz reconhecer, dada a sua situação instável, que o seu futuro está, nem que seja só um bocado, mais seguro e conveniente ao lado de Dobie. E é assim, com a reunião dos dois – parte amorosa e sexual de lado – que começa o seu relacionamento dilacerado. Dobie – belíssimo Nick Nolte como de costume – é o típico reverenciado artista casmurro e inquieto, consciente da sua experiência de vida e desencantado de como esta lhe está a atingir de momento. Ferve em pouca água, figura com um aspecto desengonçado, sofre de ataques de caprichos que o colocam desamparado e mostram o seu lado imponderável no que toca ao ceder aos desejos mais inquietos e impulsivos, enfim, Dobie sente-se solitário e nos píncaros da rabugice. Alguém como Paulette a seu lado faria toda a diferença mas esta afigura-se segura na recusa e completamente insegura quanto ao rumo que deve tomar a sua vida. É a colisão entre o estado do mundo dos dois que Scorsese capta com segurança e relevante sobriedade, mesmo que não chegue para atingir um estatuto muito marcante. Acaba por passar a ideia que o argumento pudesse ter sido mais arrojado no encaminhamento para a resolução, talvez ao ser mais propício a uma certa angústia tratada com mais espaço, mas não deixa de ser muito recomendável.
A Vida sem Zoe
É com grande pena e acentuada surpresa que “Coppola em piloto automático” é talvez a expressão que mais se encaixa ao segmento que assina, acompanhado pela filha Sofia no argumento, que então na altura nem chegava a contabilizar duas dezenas de anos de vida. Claramente o episódio mais fraco – é mesmo fraco – A Vida sem Zoe não chega a deixar quaisquer saudades, isto no ano que antecedeu à terceira parte da saga O Padrinho.
Quanto à história, aborda os laços familiares entre a pequena Zoe e os seus pais, ou melhor, a falta de laços entre os três. Dá a ideia, aliás, é mesmo muito mais que uma ideia, que é o mordomo – o qual Zoe tem como anjo da guarda – quem substitui os pais mesmo no que possa ser entendido como o que deveria ser tratado exclusivamente por estes.
Zoe é uma rapariguinha de doze anos mimada com tudo menos atenção familiar. Tem o seu cãozinho com vida de rei, vai para a escola com um chapéu de elevada classe, tem direito ao dinheiro de que quiser dispor, mas o que é isto quando falta o mais importante? O pai Claudio Montez é um reputado e incrivelmente admirado, principalmente pelas mulheres, flautista que percorre o mundo a hipnotizar quem ouve a sua mágica e poderosíssima – a nível sentimental – flauta. A mãe, Charlotte, está praticamente sempre em viagem a tirar fotografias ou a escrever livros. Ambos não se preocupam muito em dar um uso minimamente regular ao significado família, visto que estar em casa é quase uma utopia.
É estranhamente incrível como, sejamos directos, o episódio é tão mau. O seu ar açucarado transborda, dando lugar a uma gratuitidade digna de um convencionalismo redutor e infantil. Chegamos a desconfiar, bem, temos razões para isso, que Coppola estava a pensar no Portugal dos Pequeninos e não em Nova Iorque quando decidiu… fazer o que fez. Acreditem que custa-me tremendamente estar a escrever de forma tão desiludida acerca do homem, mas há que reconhecer quando as fraquezas dos heróis vêm ao de cima. E esta sua fraqueza, claramente muito infectada, revela quase de certeza falta de empenho de Coppola, resultando na suspeição da seriedade com que este encarou o projecto. Há rumores de que a sua filha – então muito nova, como já foi referido – “ajudou” na realização e mesmo que seja verdade não desculpa minimamente o tremendo fracasso que é o segmento. Total falta de credibilidade quando este não se assume inteiramente com essa postura chega a resultar em cenas anedóticas. Carregado de boas intenções, mas também de mediocridade.
Náufragos de Édipo
À terceira é de vez. Cabe a Woody Allen fechar com chave de ouro Histórias de Nova Iorque. Está encontrado o grande momento do filme. E é Woody quem mais o merece, é ele o grande obreiro fílmico da cidade.
Náufragos de Édipo, o título diz tudo. Se ainda não estão bem a ver o que este – ao estilo da mitologia grega – quer transmitir, então: “I love her, but I wish she would disappear.” É assim, com esta frase, que Sheldon Mills (Woody Allen) invoca eximiamente a relação com a sua mãe.
Sheldon tem cinquenta anos e é sócio de uma importante firma de advogados. Neurótico e consultor regular de psicanálise, é assim mais uma personagem criada e interpretada por Allen. O relacionamento com a sua idosa mãe é extremamente incómodo, sendo que Sheldon é constantemente criticado e humilhado por esta, que não tem bem consciência de quão difícil e penoso é para o filho acarretar os seus modos e atitudes que de tão insólitos e inconscientes bem poderiam ser apelidados de “pancadas”. Mas também há que entender que, ao contrário de os anteriores, este é um segmento de natureza sobrenatural, como iremos ver mais à frente.
Certo dia, mãe e filho, acompanhados pela namorada deste – a qual é vista com muito maus olhos pela mãe de Sheldon – vão a um espectáculo de magia onde a velhota, ao servir de voluntária para um truque dentro de uma caixa, acaba por desaparecer inexplicavelmente, principalmente para o mágico. Simplesmente, tinha-se sumido. Sheldon primeiro entra em pânico, preocupado e perturbado como é de esperar de um neurótico. Não muito tempo depois, a sua vida, com outro rumo o qual a mãe não segue, acaba por tornar-se bem mais simples e prazenteira. Ao bom estilo hiperbólico de Woody, Sheldon até resolve cessar as buscas pela mãe. Mas esta certo dia aparece bem visível com a cabeça a flutuar no céu de Nova Iorque e agora é toda a cidade que presencia as humilhações de que Sheldon é alvo. Este não sabe que faça, mas alguma coisa irá de tentar.
Este Náufragos de Édipo é um Woody no seu estilo inconfundivelmente delirante e incrivelmente delicioso. O seu imaginário está em forma apurada não tendo receio em apostar em situações que têm tanto de estupidamente inteligente como de insolitamente prodigioso. Este também é um filme de onde se pode questionar sobre como as relações com os nossos pais nos incomodam e que influência têm na nossa vida. Um Woody um bocado mais light, mas certeiro e incisivo como quase sempre.
No geral, Histórias de Nova Iorque é agradável, mas… a cidade merecia mais.
3,5/5
® Artur Almeida
6 Comments:
Já ouvi falar deste filme, mas nunca cheguei a vê-lo. Pelo que dizes também não é propriamente uma prioridade, mas uma curiosidade...Boa crítica e parabéns pela tua (considerável)dedicação ao cine7 :)
O filme, contudo, vale a pena ver apesar do grande desiquilíbrio que o Coppola proporcionou.
Obrigado pelo apoio, Gonçalo, fico radiante por me acompanhares nesta "aventura":)
Concordo com praticamente tudo o que foi escrito aqui, desde a nomeação do segmento de Allen como o melhor à triste constatação de que o de Coppola é o menos inspirado dos três, embora até lhe ache alguma piada (não tanta como isso, contudo).
Fica só a curiosidadezinha: O projecto partiu mesmo de Woody Allen e, numa primeira fase, ele queria que os outros dois realizadores fossem estrangeiros e dessem a sua visão particular da forma como viam os nova-iorquinos (um deles seria Fellini, que recusou por afirmar não saber o suficiente sobre a cultura e o povo americano para fazer um filme sobre eles; o outro não me recordo sinceramente quem era). Depois, Allen virou-se para os realizadores americanos, com Scorsese a ser uma das escolhas óbvias e depois Spielberg, que esteve quase a participar, abandonando à última hora o projecto (se bem me lembro, para se dedicar à produção de Quem Tramou Roger Rabbit?), ficando então Coppola como o realizador não nova iorquino de serviço.
Uffff, é melhor calar-me agora, não sem voltar a repetir que gostei muito de ler :-)
Olá Paulo,
Fico muito agradecido pelos excelentes esclarecimentos tão bem detalhados. Fazem sempre falta a woodyphiles, como nós. E ainda bem que gostaste de ler, obrigado:)
aka Turat Bartoli
a primeira do pintor do martin scorsese o nick nolte tá execelente.
E a do Woody Alen é super divertida.
Realmente a do copolla é k tá um bocado fora.
Pois, o Nick Nolte é um senhor da representação e está ao seu nível.
Sim, o segmento do Woody está como disseste.
Quanto ao Coppola, é pena, mas é verdade.
Cumprimentos
Enviar um comentário
<< Home