Hellboy
Título Original: |
Ao contrário de super-heróis como o Homem-Aranha (cujo segundo episódio no cinema chega a nós esta semana), o Incrível Hulk ou os X-Men, Hellboy não é uma das personagens mais reconhecíveis e populares da actual BD norte-americana. Dirigido essencialmente a um restrito grupo de fiéis e dedicados seguidores, este anti-herói criado por Mike Mignola tem ocupado um espaço de culto, um nicho específico dentro da vasta e diversificada área dos comics de fantasia e ficção científica.
Gerado no início da década de 90, o universo de Hellboy surpreendeu pela curiosa combinação de intrigas sobrenaturais, humor negro, teorias da conspiração e um bizarro conjunto de personagens (acrescente-se ainda o incomum e intrigante traço de Mike Mignola). Com o contínuo sucesso e mediatização de adaptações cinematográficas de super-heróis, sobretudo os da Marvel Comics, chegou a hora da editora Dark Horse (que, ao contrário das poderosas Marvel e DC, se encontra essencialmente ligada a esferas independentes) testar as águas da sétima arte com um dos seus títulos mais peculiares.
A singularidade de Hellboy tem correspondência no cineasta responsável pela sua adaptação cinematográfica, Guillermo del Toro. Amante confesso de territórios temáticos ligados à ficção científica/terror/BD, o realizador tem vindo a construir uma obra intimamente associada a essas áreas, gerando projectos como Mimic, Nas Costas do Diabo ou o seu primeiro filme directamente relacionado com os comics, Blade 2 (adaptação de um herói da Marvel). Admirador de Hellboy, o realizador conseguiu finalmente consolidar a sua visão pessoal da personagem, gerando a sua primeira aventura no grande ecrã.
Consideravelmente fiel à matriz original da BD, o filme centra-se nas origens do protagonista e introduz o seu universo ao espectador, apresentando uma atmosfera que congrega elementos do film-noir, fenómenos paranormais, suspense, terror, histórias de aventura, reminiscências dos super-heróis e uma forte carga gótica e soturna.
Iniciando a viagem com um apelativo prólogo situado na Segunda Guerra Mundial (fulcral para definir a génese da personagem principal, assim como os seus aliados e antagonistas), Hellboy introduz-nos num mundo onde muito pouco é o que parece, mundo esse habitado por seres atípicos e ameaçadoras criaturas interdimensionais.
O protagonista está longe de se assemelhar ao modelo de herói convencional, uma vez que se trata de um demónio que, por ironia do destino, desempenha um papel decisivo enquanto agente secreto e defensor da humanidade. Condenado a ser "diferente" e a desviar-se dos padrões vigentes (afinal, não é todos os dias que se encontra uma criatura com mais de dois metros, pele encarnada, dois chifres devidamente aparados e uma mão de pedra), este outcast tem de lidar regularmente com um amargo distanciamento em relação àqueles que protege. Dividido pela dualidade homem-besta, o protagonista enceta um confronto constante entre o altruísmo que o guia e a sua faceta enquanto arauto da destruição do Homem.
Esta penetração no âmago de Hellboy é um dos pontos fortes desta adaptação de Guillermo del Toro, proporcionando um interessante e alternativo olhar sobre um conjunto de freaks marginalizados e excluídos. Ron Perlman contribui também para o carisma e tridimensionalidade da personagem, compondo um anti-herói atormentado e isolado, mas que possui igualmente um irresistível sentido de humor e espírito sarcástico. Entre os seus aliados encontram-se Liz Sherman (interpretada por Selma Blair),uma jovem com poderes pirotécnicos, e Abe Sapien (Doug Jones), um híbrido homem/peixe com capacidades psíquicas, duas das personagens mais imaginativas e insólitas do filme.
Guillermo del Toro proporciona uma apropriada e cativante energia visual, apresentando ambientes de fortes contornos sombrios e claustrofóbicos. A riqueza dos elementos gráficos, com cores e texturas hipnóticas, é marca registada do cinema do realizador, que sempre se destacou pelo impressionante rigor estético e exímia gestão de sinistras atmosferas. As cenas de acção, competentes e eficazes, contribuem para um constante ritmo dinâmico e considerável impacto cinético, embora se tornem demasiado rotineiras e repetitivas a espaços.
Apesar de, globalmente, Hellboy abrir uma boa porta de entrada para o universo da personagem, acaba por ser pouco estimulante na definição dos vilões, reduzindo-os a simplistas e pouco desenvolvidas personagens de papelão que incorporam estafados clichés nazis. Guillermo del Toro conseguiu gerar um protagonista convincente e apelativo, mas não concedeu grandes doses de personalidade e ambiguidade aos seus antagonistas. Embora este aspecto acabe por trazer algum desequilíbrio ao filme, Hellboy é uma adaptação bem conseguida e fiel ao espírito da BD, gerando uma entusiasmante experiência cinematográfica que vai do suspense à comédia negra, passando pela ficção científica, acção, terror, fantástico e até mesmo algum romance. Para aqueles não gostam de heróis formatados e tradicionais, Hellboy é um curioso melting pot de referências, estilos e géneros a considerar.
® Gonçalo Sá
2 Comments:
Ainda não vi mas cheira-me a blockbuster :P...ou estou enganado?
Cumps. cinéfilos
Sim, é um blockbuster...mas nota-se a marca do del Toro. Merece uma espreitadela para quem gosta do género.
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